Integrantes da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) estão pressionando o Ministério da Educação (MEC) por rapidez no anúncio de reajuste das bolsas de pesquisa. Eles alegam que os valores não sofrem aumento desde 2013, apesar da escalada inflacionária que o país viveu na última década.
O ministro da Educação, Camilo Santana, havia dito, em janeiro, que Lula anunciaria um reajuste nas bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ainda naquele mês, o que não ocorreu.
Segundo apuração da reportagem, nos bastidores, Santana tem dito a interlocutores que o presidente Lula (PT) deverá anunciar ainda nesta semana novos valores, que deverão vigorar a partir de março. No meio acadêmico, a expectativa é de que, por conta das sinalizações já dadas pelo governo, o aumento de fato ocorra em breve, mas o presidente da ANPG afirma que o segmento está apreensivo pela falta de informações, já que o governo não cumpriu o primeiro prazo anteriormente anunciado e não divulgou detalhes do que pretende fazer. “Estamos preocupados porque ainda não sabemos quando, enfim, vai sair o aumento e nem de quanto será”, afirmou ao Brasil de Fato Vinicius Soares.
A entidade representa cerca de 1,3 milhão de estudantes e cerca de 120 mil deles têm atualmente bolsas de pesquisa. O contingente inclui pesquisadores das redes pública e privada. Atualmente, os valores pagos são de R$ 1.500 ao mês para bolsas de mestrado e R$ 2.200 para as de doutorado, cursos que duram respectivamente dois e quatro anos.
Elaine Kiz tem uma bolsa de mestrado da Capes desde agosto de 2021 por conta do trabalho de pesquisa que desenvolve no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ela conta que o desafio de se lidar com uma bolsa mensal de R$ 1.500 se torna ainda maior pelo fato de os programas exigirem dedicação exclusiva por parte dos estudantes, que, por conta disso, não podem buscar outras formas de complementar a renda.
“Mil e quinhentos reais não pagam um aluguel ou uma creche e, quando você é mãe e pesquisadora, precisa de uma rede de apoio que muitas vezes vem através dos serviços que você pode contratar”, desabafa a estudante.
Situação semelhante vive a pesquisadora Natalia Miranda, que momentos antes de conversar com a reportagem estava fazendo as contas de casa para decidir o que iria conseguir pagar este mês após receber os R$ 2.200 da bolsa que recebe da Capes. Atual doutoranda em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela convive com o problema da falta de reajuste desde 2018, quando ingressou no mestrado e passou a sentir na pele as dificuldades financeiras da vida de pesquisadora.
Entre o primeiro curso e o atual doutorado, ela diz ter percebido uma “desidratação total do poder de compra do pesquisador” no país. “O valor das coisas aumentou absurdamente. Antes, eu conseguia rachar o aluguel na metade com meu irmão e ainda sobrava para pagar comida e um dinheiro para eu me mover minimamente. Dava para ter um mínimo de vida para além das contas básicas. Ao longo de 2019, fui sentindo essa desidratação”, conta.
Hoje em dia, o malabarismo necessário ao custeio das contas tem resultado, segundo ela, em endividamento no cartão de crédito. Natalia afirma que os prejuízos causados pela desvalorização da bolsa afetam também o desenvolvimento das pesquisas porque limitam a capacidade de participação em congressos e outras ações acadêmicas de relevância para os trabalhadores da pós-graduação.
“Por exemplo, eu pesquiso história colonial. Todos os eventos na minha área são caríssimos e ocorrem no Nordeste, então, eu tenho que viajar e eu não tenho esse dinheiro. Isso atrapalha o próprio trabalho. O dinheiro que eu deveria investir no trabalho eu não tenho para investir porque pago as contas básicas da vida e o dinheiro não sobra. Então, é uma defasagem que está num nível absurdo” .
Aumento
A ANPG reivindica um aumento de 75% para os dois casos, o que deixaria as mensalidades em R$ 2.625, no caso dos alunos de mestrado, e R$ 3.850 para os demais. A correção reivindicada seria de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), referencial indicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para acompanhar as tendências da inflação.
“Essa não é uma pauta corporativista. É uma pauta inclusive que pega a perspectiva do combate à fome porque temos casos de pós-graduandos que estão em situação de vulnerabilidade social”, destaca Soares. O dirigente pontua que um maior investimento nas bolsas acadêmicas é política fundamental para a pauta de desenvolvimento da ciência no país.
“É um mecanismo de atração de novos talentos para a produção científica e, com esses valores, a gente tem visto uma evasão na carreira científica. Hoje a carreira já não é mais perspectiva para nossa juventude, e é esse debate que a gente está trazendo para o governo federal para que a gente possa avançar e dar um primeiro passo para a valorização do jovem pesquisador.”
Articulação
Para pressionar o governo a dar maior agilidade à pauta, membros da ANPG têm feito um corpo a corpo com deputados no Congresso Nacional, pedindo ajuda nessa articulação. “A gente ficou sabendo por alguns parlamentares que isso passou pelo MEC, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e agora está na Casa Civil. A gente tem pedido para eles ligarem para a Casa Civil, pressionarem e nos ajudarem também a ter informações”, afirma a vice-presidenta da entidade, Ana Priscila Alves.
A dirigente ressalta que, além de estar sem reajuste há dez anos, o segmento sofre com outros problemas que agravam a situação dos pesquisadores. “Nós não temos nenhum direito trabalhista ou previdenciário, não temos o direito nem de comer no bandejão [das universidades] e não temos nenhum projeto que organize como vão ser os reajustes. A gente depende simplesmente de um governo que simpatize com a nossa pauta”, desabafa.
Ana Priscila destaca ainda que o investimento público em pesquisas científicas tem grande relevância para a soberania nacional, além de outros aspectos. “É muito cansativo ficar correndo atrás de tudo isso, e não estamos fazendo coisas irrelevantes. Estamos falando de ciência. São várias as coisas fundamentais que são fruto da pesquisa de pós-graduandos e pós-graduandas pelo Brasil, e a gente não tem nem esse retorno de um reajuste nas bolsas de pesquisa.”
Futuro membro da Comissão de Educação da Câmara, que ainda não foi montada, o deputado Rogério Correia (PT-MG) foi um dos que receberam os estudantes no Congresso. “Eu vou me reunir com o ministro Camilo Santana e me comprometi em dar um retorno para eles. Já há uma sinalização de reajuste, mas nós ainda não sabemos como nem quando”, disse ao Brasil de Fato.
O petista, que também integra a Frente Parlamentar Mista da Educação, lembra que o segmento passou por momentos difíceis principalmente nos últimos quatro anos, na gestão Bolsonaro, marcada pelos cortes sequenciais no orçamento do MEC e do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Acompanhei a pauta desde o mandato passado, mas ela ficou congelada por conta das questões do governo Bolsonaro, então, não conseguimos avanços. A única coisa que a gente conseguiu foi que eles pagassem a dívida que tinham com as bolsas da Capes e CNPq, que estavam em atraso. Agora, o desafio é retomar o papel que têm os pós-graduandos no processo de iniciação à ciência e também como trabalhadores que eles são da ciência no Brasil.”
MEC
O Brasil de Fato tentou ouvir o MEC a respeito do atraso no reajuste que havia sido sinalizado pelo ministro Camilo Santana. Por meio de sua assessoria de imprensa e sem especificar prazos e valores, a pasta respondeu que “em breve o governo federal irá anunciar devidamente o programa de reajuste de bolsas”.