Passaram-se mais dois séculos até que o Banco do Brasil (BB) pudesse, enfim, contar com uma mulher na presidência da empresa. Foi na noite desta segunda-feira (16), em meio a uma cerimônia festiva, que a instituição escreveu uma das páginas mais marcantes de sua trajetória, com a posse da executiva Tarciana Medeiros como nova dirigente máxima da companhia.
Empossada diretamente pelo presidente Lula (PT), Tarciana pertence aos quadros do próprio BB há mais de duas décadas, tem 44 anos, é negra, nordestina, defensora das causas do segmento LGBTQIA+ e ex-feirante. Em seu primeiro discurso à frente da empresa, ela destacou algumas dessas características, agradeceu ao petista pela indicação e fez menção à promoção da diversidade na companhia.
“A diversidade estará presente como marca dessa gestão. E não vamos ficar apenas no aspecto simbólico da minha nomeação. Construiremos um diagnóstico preciso. Adotaremos medidas concretas para diversificar ainda mais os times e as lideranças, enriquecendo o debate de ideias, a proposição de soluções e a tomada de decisões. O Banco do Brasil vai vivenciar a diversidade plena, na prática”, entoou a nova presidenta da empresa.
Pelo valor simbólico e inédito da escolha de uma mulher para chefiar a instituição, o recorte de gênero foi lembrado pelos diferentes presentes que prestigiaram a cerimônia. “Não basta [o banco] ser público. É preciso que as pessoas que dirigem tenham a cabeça mais aberta, tenham a cabeça um pouco mais arejada para entender que determinadas coisas vão acontecer como novidade porque nunca tinham acontecido. Eu fico estarrecido de estar aqui hoje na sua frente sabendo que você é a primeira mulher a chegar à presidência”, disse Lula, ao se dirigir a Medeiros.
”O fato de ela ser negra diz mais ainda sobre o valor histórico deste momento”, acrescentou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, que também discursou no evento. “É uma conquista dos funcionários, uma conquista do povo”, emendou.
Mudança
O nome de Tarciana Medeiros é bem aceito entre entidades que representam trabalhadores do sistema bancário. O segmento comemora, por exemplo, o fato de a nova presidenta ser uma funcionária de carreira. A executiva não veio exatamente de base trabalhista, mas é bem vista entre os colegas. Entre outras coisas, Tarciana é administradora e pós-graduada em Marketing e Liderança, Inovação e Gestão. Ela ocupou diferentes funções de gerência e passou por unidades do BB em pontos distintos do país, do Nordeste ao Norte e com passagem pelo Distrito Federal (DF), por exemplo.
“Quando é assim, a pessoa que está na presidência tende a ter uma preocupação maior com a empresa do que alguém que não é do banco. O que a gente enxerga de melhor nisso tudo é a quebra de paradigma, pelo fato de o Lula confiar a uma mulher a chefia da maior empresa pública financeira da América Latina. Este momento é muito importante para a gente e a gente bota fé que ela fará um grande mandato à frente do banco”, disse ao Brasil de Fato o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Gustavo Tabatinga, que é funcionário de carreira da empresa há 22 anos.
A mudança de governo no âmbito da gestão federal amplia os horizontes das entidades trabalhistas do ramo. “É que agora temos uma perspectiva de reconstrução para o BB”, exemplifica Tabatinga.
Cenário
Tarciana Medeiros assume o cargo no momento em que o BB comemora as cifras colhidas no último período. No terceiro trimestre de 2022, a empresa teve o maior lucro nominal da história, com R$ 8,1 bilhões, considerando os bancos de capital aberto do país. O montante representa uma alta de mais de 70% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Paralelamente, o BB também conviveu com o fantasma da privatização, pauta que se destacou no governo Bolsonaro (2019-2022) em relação a diferentes estatais de importância nacional. O banco foi alvo ainda de duras críticas nos últimos anos por conta da forma como vinha conduzindo a sua cartilha de atuação.
Sob a gestão de Bolsonaro, a empresa recebeu queixas pela imposição de metas abusivas e que adoecem os trabalhadores, praticou juros altos e, entre outras coisas, fechou uma série de agências. Dados do Banco Central mostram que foram mais de 380 unidades com funcionamento encerrado em 2021, ano em que foi lançado um “plano de reestruturação”.
O diretor-executivo do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, João Fukunaga, aponta que isso está entre os principais desafios que a gestão de Tarciana Medeiros deverá enfrentar à frente do banco para fazer com que ele volte a ser indutor do desenvolvimento nacional.
“Nas cidades, se a gente observar, você vai ver que o BB fechou agências no entorno das periferias. Hoje você tem inúmeras filas de pessoas que precisam de crédito. Muitos microempreendedores individuais estão endividados e estão atrás de crédito sustentável, diferenciado ou simplesmente um crédito normal. Então, o banco pode atuar nesse segmento”, cita.
Economia
Função amplamente proclamada pelo segmento dos trabalhadores do BB e outros atores políticos e sociais, bem como pelo próprio presidente Lula, o papel de gerador do desenvolvimento tende a ser fortalecido na nova gestão do BB. Com visão progressista, o chefe do Executivo tem defendido essas e outras medidas, com destaque para ações que incluam a população menos favorecida entre as políticas do banco.
“Quero que a gente seja o campeão em crédito consignado. E eu quero mostrar para vocês uma coisa que eu dizia em 2003 e vou dizer agora: o pobre neste país não é o problema. Ele é a solução na medida em que é incluído na economia. E nós vamos outra vez incluir o povo pobre na economia e queremos que o BB cumpra a sua parte”, disse Lula.
Com 214 anos de existência, o BB é uma das maiores instituições financeiras do país, opera como sociedade de economia mista e tem o governo federal como detentor de 50% das ações. “Temos 1 milhão de acionistas e continuaremos gerando o retorno adequado ao capital que investiram na empresa. O BB continuará a ser um banco rentável e sólido, criando valor para a sociedade. Podemos, sim, conciliar nossa atuação comercial com uma atuação pública”, disse Medeiros, ao citar ainda a intenção de ampliar a oferta de crédito “de forma criteriosa”.