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Política

"Outsider" e popular, Michelle Bolsonaro pode ganhar protagonismo na ultradireita "se quiser"

Papel de destaque durante campanha de Bolsonaro credencia primeira-dama a brigar pelo espólio eleitoral do marido

Publicada em 08/11/2022 às 15:05h

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Marina
cresol

 (Foto: Reprodução da web)

Estrela da campanha frustrada de Jair Bolsonaro à reeleição, Michelle Bolsonaro foi fundamental para as tentativas do Partido Liberal de suavizar, ao menos em parte, a imagem do marido. Mesmo assim, especialistas divergem sobre as pretensões políticas da atual primeira-dama e enxergam resistências a seu nome dentro da própria família antes mesmo de desocupar o Palácio da Alvorada.
 
Fora do círculo de comando mais próximo ao marido durante os quatro anos de governo, Michelle teve presença frequente em solenidades e encontros com apoiadores. Também foi associada à criação de programas voltados à acessibilidade pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chamando atenção pela amabilidade nos gestos e por enviar mensagens em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais).

Diante da patente rejeição do eleitorado feminino, a campanha de Bolsonaro percebeu o erro de manter a esposa do presidente fora de eventos com mulheres feitos durante a pré-campanha. O roteiro só seria alterado a partir de agosto, quando Michelle passou a ter participações especiais, com direito a coreografias e cantos à capela de trechos de músicas gospel durante eventos religiosos.

O primeiro sinal de que seu esforço em favor da candidatura do marido seria levado até o pleito ficou claro no discurso feito durante a convenção nacional do Partido Liberal (PL), em 24 de julho. Além de defender Bolsonaro de "quem diz que ele não gosta de mulher", a primeira-dama também fez apelos à fé dos espectadores.

Em determinado momento, disse que declara todos os dias ao cônjuge o seguinte: "Jair Messias Bolsonaro, ser forte e corajoso, não temas. Ele é um escolhido de Deus, esse homem tem um coração puro, limpo, além de ser lindo, né?".
 
"Pensando em imagem de mulher, ela tem uma função primordial que é dar uma aparência de família. Bolsonaro é uma pessoa que tem uma história familiar que não condiz com os discursos conservadores, uma pessoa que teve diversos divórcios de diferentes casamentos", sustenta o advogado Caio Klein, presidente da ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade.

Para Klein, Michelle demonstrou uma capacidade discursiva antes subestimada até por aliados, que já a descreveram como uma pessoa "tímida" e "discreta". "Ela fez muito bem de se alinhar a pautas mais ligadas àquela antiga filantropia, caridade. Superficialmente, você vê um trabalho dela de atenção às pessoas com deficiência, primeira infância, mas que de política pública não tem nada. Trabalhos revestidos de caridade", enfatiza.

Trazida ao palco, fortaleceu candidaturas

Outro trunfo intrínseco aos acenos da primeira-dama vem desde a campanha de Bolsonaro para as eleições de 2018, projetando a si mesmo a figura da esposa dedicada que apoia o marido incondicionalmente. 

Um comportamento inabalável mesmo diante das frequentes piadas e brincadeiras jocosas feitas pelo presidente em eventos oficiais ou diante de apoiadores, balanceadas com a tirada: "quem manda dentro de casa é a minha mulher".

Aos poucos, Michelle se revestiu da aura de senhora do lar e estandarte do modelo de família cristã neopentecostal. Um arquétipo capaz de gerar grande identificação popular, de acordo com o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico e autor do livro "Entre a Religião e o Lulismo", publicado pela editora Recriar (2019).

"Ela (Michelle) oferece essa imagem de mulher exemplar e de fé. Acho que há uma identificação com ela inclusive pelas falhas do Bolsonaro, porque várias mulheres evangélicas vivem a situação que a Michelle, de ser convertida mas não ter em casa um marido convertido. E, dentro disso, atuar para levar o marido para um bom caminho", conjectura.

A prova de sucesso da figura de Michelle seria concretizada no Distrito Federal, com a eleição da ex-ministra Damares Alves (Republicanos) ao Senado Federal. O ativismo na campanha da pastora foi tão grande e eloquente que mingou qualquer possibilidade de triunfo eleitoral da sua principal adversária, a deputada federal Flávia Arruda (PL), preterida indiretamente por seu principal correligionário.

Derrota de Bolsonaro pode abrir caminhos

Natural de Ceilândia, região administrativa de baixa renda do Distrito Federal, Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro é a mais velha entre cinco irmãos e concluiu o Ensino Médio em escola pública. Atualmente com 40 anos, já trabalhou como demonstradora de produtos em supermercados - fato sublinhado algumas vezes pelo presidente - antes de ingressar como secretária parlamentar na Câmara dos Deputados, em 2004.

Membro da Igreja Batista Atitude, a primeira-dama transita com naturalidade por temas que envolvem religião, moral, costumes e o anticomunismo fantasioso. Tudo isso sem a mesma estridência do marido e de Damares, de quem é amiga desde os tempos em que ambas eram assessoras no Congresso Nacional.

"A Michelle articula um discurso radical, mas com uma roupagem religiosa que disfarça a radicalidade. E ela faz isso de uma forma mais amena do que, por exemplo, a Damares Alves, que cria factóides e histórias falsas", identifica Klein.

Embora tenha se provado popular, suas ambições políticas ainda são incertas, começando pelo fato de nunca ter expressado vontade de seguir os passos das duas primeiras esposas de Bolsonaro. Rodrigo Lentz, professor de Ciência Política na Universidade de Brasília, não acredita que Michelle assumirá um papel de liderança política e aponta "falta de traquejo" nessa seara.

"Eu acho que ela vai ficar muito ligada à Damares, com quem tem uma ligação mais forte, e vai ter um papel talvez secundário, de bastidores. (...) Vai depender de como o próprio Bolsonaro vai se comportar. Não vejo nela uma agenda própria. Imagino que ela vá aguardar as orientações da própria família sobre como ela vai se comportar politicamente", opina Lentz.

Para Valle, Michelle tem total condições de se eleger na próxima legislatura e não precisa se restringir ao DF. "Ela tem uma penetração muito forte no setor evangélico e poderia se eleger a qualquer cargo proporcional em qualquer estado. Como deputada federal, com certeza, e talvez como senadora em alguns estados", projeta.

Já Klein desconfia do início de uma carreira parlamentar, mas enxerga uma janela de oportunidade com a reorganização da ultradireita e com a diminuição do papel do candidato derrotado à reeleição. "Eu não vejo a primeira-dama ter grandes pretensões no mundo da política, ao que parece. Porém, se ela quiser, talvez tenha sucesso, fazendo o link entre pautas mais radicalizadas e uma grande parcela dos evangélicos que não são radicalizados", avalia. 

"Fogo amigo" pode partir de dentro do clã

Os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato também destacam as incertezas sobre a própria aceitação de Michelle dentro do clã Bolsonaro, que ainda reserva capítulos secretos sobre possíveis desentendimentos com os filhos do presidente. Enquanto Flávio, que coordenou a campanha do pai, aproximou a madrasta dos holofotes, Carlos Bolsonaro teria seguido distante.

No dia seguinte à derrota de Bolsonaro para Lula no segundo turno das eleições, Michelle parou de seguir o marido no Instagram, fato que foi interpretado como uma resposta a Carlos, responsável pelas contas do pai nas redes sociais. Vinicius do Valle acredita que o silêncio presidencial e da sua esposa após o pleito ajudam a turvar o status da relação do casal, que segundo ele poderia estar abalado. 

"Caso haja mesmo uma crise familiar, seja com os filhos do Bolsonaro ou com ele próprio, isso quebra um pouco essa imagem de mulher de família e mulher exemplar. O bolsonarismo certamente usaria uma ruptura com o presidente para dizer que ela traiu o marido, no sentido político mesmo e não conjugal. Essa questão de como vai ficar o papel dela e a relação com os Bolsonaros ainda não está definida e esclarecida", diz.

Assim como o restante da família, Michelle também poderia perder credibilidade com a retomada de investigações sobre casos de corrupção do passado e atuais. Seu nome aparece como beneficiária de depósitos feitos entre 2011 e 2016 por Fabrício Queiroz, ex-policial e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, que totalizam R$ 89 mil.

Essa seria uma confluência de fatores que poderia reservar a Michelle o mesmo destino de ex-aliados de Bolsonaro, na opinião de Valle. Ele menciona alguns bolsonaristas que "pularam do barco" durante o governo, como Sergio Moro, Joice Hasselmann e Alexandre Frota, e que depois se viram sem apoio de seus próprios eleitores mais conservadores.

"A gente não sabe se a Michelle poderia ser impactada do seu capital político caso se afastasse do presidente Bolsonaro", afirma Valle, corroborado pela opinião de Lentz: "Eventualmente, ela pode ser alvo de fogo-amigo dentro da própria família, assim como de outros adversários dentro do espectro evangélico", conclui.




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