A votação de representantes de povos originários bateu ao menos dois recordes em 2022. Pela primeira vez na história do Brasil, duas pessoas ligadas ao movimento indígena entram, de uma só vez, na Câmara dos Deputados. Além disso, são duas mulheres: Sônia Guajajara e Célia Xakriabá - ambas do PSOL, uma por São Paulo e outra por Minas Gerais.
O outro fato inédito é o aumento de 900% da quantidade de autodeclarados indígenas que ocuparão cargos legislativos. Na última eleição geral, de 2018, Joênia Wapichana (Rede-RR) foi a única. Agora, nove foram eleitos: cinco deputados federais, dois estaduais e dois senadores.
Sônia e Célia tiveram suas candidaturas impulsionadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que lançou uma campanha sob o mote "aldear a política". Ambas defendem o combate ao garimpo ilegal, a demarcação de territórios, a derrubada da tese do marco temporal e o freio do chamado "pacote da destruição" - conjunto de projetos de lei em tramitação, que regulamentam a invasão e a exploração comercial em terras indígenas.
Alinhada com essas bandeiras, Joênia Wapichana recebeu, no último domingo (2), mais votos do que os que a tornaram, há quatro anos, a primeira mulher indígena a se eleger para o Congresso. Mas por conta do quociente eleitoral, não conseguiu se reeleger.
As duas representantes do movimento indígena compartilharão o Legislativo Federal com outros três deputados que assim se autodeclaram. Pelo PT, serão Juliana Cardoso (SP) e Paulo Guedes (MG) - não confundir com o ministro da Economia, com o qual o petista compartilha apenas o mesmo nome. Além deles, a bolsonarista Silvia Waiãpi (PL-AP), que tem proximidade com a senadora eleita Damares Alves (Republicanos), também vai compor a Câmara dos Deputados.
No Senado, serão dois os parlamentares que se autodeclaram indígenas: Wellington Dias (PT-PI) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Este último, o atual vice-presidente do governo Bolsonaro, foi acusado de racismo por entidades da sociedade civil quando declarou, em 2018, que herdou a "indolência" dos indígenas e a "malandragem" dos africanos.
Os dois deputados estaduais eleitos e registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como indígenas são também bolsonaristas. No Rio de Janeiro, é a Amanda Brandão Armelau, que se lançou candidata como "Índia Armelau". No Espírito Santo, sob a alcunha de "Capitão Assumção" (PL-ES), o policial militar Lucinio Castelo de Assumção foi reeleito. Em 2018, ele não se considerava indígena.
"Aldear a política"
"Nunca na história do nosso país a pauta indígena esteve em tanta evidência, associada à pauta climática e ambiental, tão ameaçadas nesses últimos anos", avalia Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
A disputa partidária como estratégia nacional da articulação foi definida em 2017 durante o Acampamento Terra Livre – maior mobilização indígena do país, que acontece anualmente em Brasília. E foi coordenada nacionalmente de forma inédita em 2022.
A decisão foi tomada como uma reação ao crescimento dos ataques aos direitos dos povos originários e também, segundo Kleber, pelo entendimento da necessidade de que haja "representações legítimas do movimento" dentro do Legislativo.
Das 186 candidaturas indígenas em 2022 (um aumento de 40% em relação a 2018), 30 foram apoiados pela Apib, a partir da indicação de cada uma das sete organizações regionais que compõem a articulação. Somadas, as candidaturas do movimento receberam quase meio milhão de votos. Destas, duas se elegeram.
"Entre a pessoa se declarar indígena e atuar enquanto indígena de fato tem uma diferença enorme. A gente não está colocando no bojo do debate a questão de a pessoa ser ou não indígena", explica Kleber Karipuna. "Mas estamos falando dessa legitimidade de ela atuar enquanto movimento indígena, enquanto liderança do seu povo, do seu território."
A partir desse entendimento, a "bancada indígena" terá o dever, defende a Apib, "de tanger a boiada, a mineração e os madeireiros para fora dos territórios".
"Nós vamos chegar, mas não vamos chegar com paletó. Vamos chegar com a nossa força, a nossa linguagem, para compor a bancada do cocar", afirmou Célia Xakriabá em sua rede social. "Mais do que nos colocar para a transformação deste país a partir das estruturas de poder", disse a primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais, "vamos inaugurar um novo momento na política global de enfrentamento à destruição".