A lista inclui agropecuaristas, um ex-prefeito de cidade no interior de São Paulo e sócios de uma empresa de aviação agrícola. Somadas, as autuações que não foram canceladas ultrapassam R$ 80 milhões e abarcam multas por desmatamento, descumprimento de embargo e exploração de madeira sem autorização, entre outros. A reportagem procurou todos os citados, que não responderam até a publicação.
Até o momento, a maior parte do dinheiro recebido pela campanha de Jair Bolsonaro veio do Partido Liberal, que destinou R$ 10 milhões para o candidato à reeleição. A maior parte dos apoiadores financeiros da campanha são ligados ao agronegócio: dos 25 maiores doadores (todos com valores acima de R$ 5 mil), ao menos 18 têm atuação no ramo.
O terceiro maior doador de Bolsonaro até agora, com um total de R$ 60 mil em doações, o agropecuarista Ronaldo Venceslau Rodrigues da Cunha foi multado pelo Ibama em R$ 2,18 milhões em 2012. Segundo a descrição do auto de infração, Cunha destruiu, entre outubro de 2002 e agosto de 2007, 1,4 mil hectares de floresta amazônica ilegalmente em Aripuanã (MT), município próximo às fronteiras do estado com o Amazonas e Rondônia. A área desmatada, na Fazenda Estrela do Aripuanã, foi alvo de embargo pelo Ibama.
O pecuarista é um dos sócios da Agropecuária Rodrigues da Cunha, criada há mais de 60 anos em Uberaba (MG) e que hoje atua especialmente com gado no Mato Grosso. Além dele, outros cinco familiares aparecem no quadro societário da empresa, incluindo o patriarca, Antônio Ronaldo. A família é dona de um dos maiores rebanhos bovinos do país e figura entre os maiores vendedores de touros do Brasil. Segundo a Repórter Brasil, a família Rodrigues da Cunha teria utilizado o serviço de transporte da JBS para levar o gado criado na fazenda multada e embargada para uma “ficha-limpa” – prática conhecida como “lavagem de gado”.
A eleição de 2022 não é a primeira em que Rodrigues da Cunha abre o bolso para candidatos ao pleito. Em 2018, ele doou R$ 2 mil para a campanha de Jair Bolsonaro e outros R$ 5 mil para Luciano Vacari, que tentou se eleger deputado estadual pelo PPS no Mato Grosso, sem sucesso. Quatro anos antes, ele fez R$ 25 mil em doações: R$ 5 mil para o fundador e ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Ronaldo Caiado (DEM), eleito senador em Goiás, e R$ 20 mil para Pedro Taques (PDT), eleito governador do Mato Grosso naquele ano.
O quarto maior doador de Bolsonaro, com R$ 30 mil (e 88 centavos), também já foi alvo do Ibama. O agropecuarista Sérgio Cardoso de Almeida Filho recebeu cinco multas, três delas canceladas. As multas ainda válidas, que já foram quitadas, somam R$ 2.620 e referem-se a desmatamento e exploração de madeira sem plano de manejo em Mundo Novo (GO).
Sócio de uma agropecuária e de vários empreendimentos imobiliários, ele é filho de Sérgio Cardoso de Almeida, que foi produtor rural em Ribeirão Preto (SP) e deputado federal pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao regime militar, entre 1967 e 1982. O seu pai chegou a defender a continuidade do Ato Institucional nº 5, o mais repressivo instrumento da ditadura, “pelo menos até o ano 2000”.
A maior parte dos apoiadores financeiros da campanha de Bolsonaro são ligados ao agronegócio
Almeida Filho também fez doações para o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que recebeu R$ 40 mil (e 88 centavos), e para o atual deputado estadual Frederico D’Ávila, que está tentando uma vaga na Câmara Federal pelo PL. D’Ávila é produtor rural, foi vice-presidente da Aprosoja São Paulo e se declara “monarquista” e “armamentista”.
A quinta maior doadora da campanha até o momento, com R$ 25 mil, é Ana Dulce Ribeiro Vilela, que não tem multas, mas cujo marido e sócio já foi multado pelo Ibama em diversas ocasiões. Daniel Andrade Vilela, que está no quadro societário da Agropecuária Ana e Filhos Ltda, recebeu oito autuações. As multas que não foram canceladas ou tiveram defesa deferida somam mais de R$ 1,5 milhão e referem-se a desmatamentos e incêndios ilegais em Corumbiara (RO) e Indiavaí (MT).
Há ainda outros três doadores de ao menos R$ 10 mil entre os multados. Herbert Walter Schlatter, diretor-financeiro do Grupo Schlatter, foi multado em R$ 3 mil por construir dreno em área de preservação permanente (APP) em Chapadão do Céu (GO). Ricardo Borges de Castro Cunha, que já teve conflitos com assentados em Rondônia, foi multado em quase R$ 14 mil por pescar em época proibida (piracema) em Cuiabá (MT). Ex-presidente da Associação dos Proprietários Rurais de Mato Grosso, ele é sócio de várias empresas do ramo agropecuário. Já Renato Zago de Melo foi multado em R$ 10 mil por descumprir embargo de área no município de Figueirópolis (TO).
Ex-prefeito que doou para Bolsonaro já recebeu mais de R$ 65 milhões em multas
O doador de Jair Bolsonaro com a maior multa no Ibama é José de Castro Aguiar Filho (o “Zezinho”), que recebeu 16 autuações entre 2007 e 2015, totalizando mais de R$ 65,4 milhões. Ex-prefeito de Flora Rica (SP), pelo MDB, ele é sócio da Agropecuária São João da Liberdade, entre outras empresas. As multas, que variam de R$ 294 mil a R$ 19 milhões, referem-se ao desmatamento de milhares de hectares e descumprimento de embargos em fazendas nas cidades de São Félix do Araguaia e São José do Xingu (MT). Ele está na lista dos maiores desmatadores da Amazônia. O político doou R$ 5 mil para Bolsonaro.
O segundo doador com as maiores multas é o produtor rural Moisés Debastini, que doou R$ 1 mil e acumula R$ 6,35 milhões em autuações válidas. Todas as multas de Debastini foram por infrações em suas propriedades na cidade de Feliz Natal (MT). Seu pai é um dos fundadores e ex-prefeito do município. As autuações foram aplicadas no âmbito de grandes operações de combate ao desmatamento do Ibama, como a Toruk e a Hileia Pátria.
Há ainda mais quatro doadores com multas acima de R$ 1 milhão. O primeiro é Dagoberto Antônio Faedo, que doou R$ 2 mil e recebeu multa de R$ 4,06 milhões. Ele foi autuado em 2016 por desmatar mais de 4 mil hectares em Fernando Falcão (MA). O segundo é Ubirajara Augusto Fagundes Filadelpho, que doou R$ 500 e foi multado em R$ 1,2 milhão por desmatamentos em Itaituba (PA).
Além dos dois, os irmãos e sócios da Aviação Agrícola Gaivota Ltda, Marcos e Fernando Morandi, que doaram R$ 5 mil cada, também têm débitos acima de sete dígitos, considerando a autuação recebida pela empresa. A Gaivota foi multada em R$ 1,2 milhão por exercer a atividade de aviação agrícola sem licença em Jaguapitã (PR). Marcos Morandi também já foi multado individualmente em duas ocasiões: descumprimento de embargo em Novo Progresso (PA) e por ter agrotóxicos em descumprimento com a legislação, em Itaituba (PA). As duas autuações somam R$ 400 mil.