Parece que Donald Trump está ocupando há muitos anos o cargo de presidente dos Estados Unidos, tal é o volume de confusões armadas pelo republicano de 78 anos nessas meras duas semanas que se passaram desde a sua posse. O seu estilo de governar é o de uma “metralhadora giratória”, uma gíria das redações dos tempos das barulhentas máquinas de escrever para definir uma pessoa que briga o tempo todo com todo mundo. O carro-chefe das polêmicas são as deportações de imigrantes ilegais, que garantem as manchetes nos noticiários ao redor do planeta. Na sexta-feira (31/1), foi capa nos jornais que um enviado de Trump, Richard Grenell, estava em Caracas, capital da Venezuela, negociando com o presidente do país, Nicolás Maduro, a liberação de seis americanos presos e o recebimento de imigrantes venezuelanos que serão deportados. A maneira como a imprensa noticiou o assunto fez parecer que o governo americano estava dando um ultimato a Maduro. Alguém precisa informar a imprensa que Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos, não do mundo. É sobre isso que vamos conversar.
Por que não se tratou de um ultimato o que aconteceu na Venezuela? Mas de uma negociação que foi favorável ao ditador venezuelano. Para começar, o fato de que os seis americanos faziam parte de um grupo de 150 estrangeiros que foram presos durante a polêmica reeleição de Maduro, acusados de vários crimes, entre eles de serem mercenários e agentes dos serviços de inteligência de seus países. Já na questão de receber venezuelanos deportados, foi um presente para o governo da Venezuela. Por quê? Parte deste grupo é gente da oposição venezuelana que está no território americano com “Status de Proteção Temporária (TPS)”, um benefício concedido pelo ex-presidente Joe Biden (democrata), 82 anos. Trump acabou com o TPS e vai deportá-los. É tudo que Maduro quer. Além disso, também serão deportados dois sobrinhos do presidente venezuelano que estão presos por tráfico de drogas e um dos seus amigos, Alex Saab, preso por lavagem de dinheiro. Trump postou na rede social X: “Acabei de ser informado que traremos seis reféns da Venezuela para casa. Obrigado a Ric Grenell e a toda minha equipe. Bom trabalho”. A oposição a Maduro está reclamando contra o fim do TPS. O segundo assunto mais polêmico da atual administração americana é a taxação das importações. No último sábado, Trump anunciou que taxou em 25% as importações de dois países vizinhos, o México e o Canadá, e em 10% as da China. Países como o Brasil “colocaram as barbas de molho”, um antigo dito popular que significa que se deve ficar alerta para um perigo iminente. Além da questão da taxação, Trump já renomeou o Golfo do México como Golfo da América, enfurecendo o governo mexicano, e guarda na gaveta outras ameaças, entre elas anexar o Canadá e a Groenlândia e retomar o controle do Canal do Panamá. Também sugeriu que os palestinos, que estão em guerra com Israel, fossem transferidos da Faixa de Gaza para o Egito. Uma sugestão que foi recebida com uma saraivada de vaias.
A cereja do bolo. Na noite de quarta-feira (29/1), um avião a serviço da American Airlines e um helicóptero Black Hawk, do Exército americano, se chocaram no ar em Washington, DC, matando 67 pessoas (64 no avião da American e três no helicóptero). Trump fez um comunicado de apoio às famílias das vítimas e aproveitou a oportunidade para acusar as administrações dos presidentes democratas Barack Obama (2009 a 2017), 63 anos, e Biden (2021 a 2025) de terem prejudicado o desempenho profissional das agências que cuidam do tráfego aéreo com a implantação de políticas de gênero para a contratação de controladores de voo. E assinou um decreto varrendo da administração federal as políticas de gênero. Indagado por um jornalista de onde tinha tirado a história da relação entre a política de gênero e a segurança do tráfego aéreo, ele deu uma resposta atravessada e mostrou-se irritado. A irritação de Trump me lembrou o seguinte. No seu primeiro mandato (2017 a 2021), a maneira dele agir com a imprensa, chutando as canelas dos repórteres, gritando aos quatro ventos que os jornais tradicionais “já eram” e atacando as minorias, causou surpresa entre os repórteres e comentaristas políticos. No final do governo, a imprensa descobriu que boa parte dos comentários do então presidente eram bravatas. E que as tentativas de colocar em prática medidas polêmicas tinham sido boicotadas pelos conservadores do seu partido aliados com os burocratas da máquina administrativa federal. A imprensa acumulou um considerável conhecimento do modo de Trump de agir durante o seu primeiro mandato. Chegou a hora de começar a usar este conhecimento para separar as bravatas das verdades. A grande dificuldade de fazer essa separação nos dias atuais é a aliança do presidente com o bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do X, e o magnata Mark Zuckerberg, 40 anos, proprietário da Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), que colocaram as suas redes sociais à disposição de Trump para espalhar as suas mentiras contra seus adversários políticos.
Trump foi derrotado por Biden em 2020, quando concorreu à reeleição. Acompanhei as eleições americanas na época. O discurso de Biden foi mais eficiente que o do adversário. Mas Trump aprendeu com a derrota e no ano passado teve uma vitória expressiva sobre a candidata democrata, a então vice-presidente Kamala Harris, 60 anos. O principal argumento de Trump na defesa de suas pautas de extrema direita é acabar com a globalização da economia. O que seria uma volta ao passado. Quais as chances dele vencer? Muito difícil, porque os Estados Unidos são um dos construtores da globalização.