É preciso escarafunchar a história da publicidade e do jornalismo para entender o tamanho da encrenca que pode acontecer na disputa política ao redor do mundo caso dê certo a aliança entre o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, o bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do X, antigo Twitter, e o magnata Mark Zuckerberg, 40 anos, da Meta, que é proprietária das redes sociais Facebook, Instagram e WhatApp. O último a aderir publicamente à aliança foi Zuckerberg. Na terça-feira (7), ele publicou um vídeo explicando que a política de moderação dos conteúdos das suas empresas estava mudando. Foram retirados vários controles, como a checagem de notícias, dos conteúdos publicados nas suas redes sociais. Estes controles foram implantados nos últimos nove anos e impediam que fossem publicados fake news e discurso do ódio.
O que significa a adesão de Zuckerberg ao trumpismo? Logo saberemos. Por hora, podemos fazer apenas algumas observações. É um fato concreto que Trump assume o governo no próximo dia 20 com a maioria na Câmara, no Senado e de juízes conservadores na Suprema Corte. E a cereja do bolo: as duas grande plataformas de redes sociais do mundo, X e Meta, sob o seu controle. O que significa que terá mais poder de fogo para disparar a sua principal munição contra seus adversários políticos, que é a mentira. E contra os imigrantes, especialmente os latino-americanos, que prometeu expulsar do território americano. Nenhum presidente dos Estados Unidos teve tal poder em suas mãos. Lembro que ele foi o primeiro que se elegeu usando fake news e discurso do ódio de maneira organizada na disputa política. Aconteceu nas eleições de 2016, quando concorreu contra Hillary Clinton (democrata), 77 anos. Na ocasião, o comportamento de Trump foi uma surpresa para os jornalistas envolvidos na cobertura das eleições. Ele chegava atrasado às entrevistas e sem a mínima cerimônia “chutava” as canelas dos repórteres. Costumava gritar que a imprensa tradicional “já era”. Muitos repórteres o classificaram como exótico. Só bem mais tarde foram descobrir que o assessor dele, Steve Bannon, 71 anos, havia copiado e adaptado para os tempos atuais os sistemas de publicidade montados por Joseph Goebbels (1926-1945), ministro da Propaganda de Adolf Hitler (1889-1945), o líder da Alemanha nazista e arquiteto dos horrores dos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), um conflito que deixou 75 milhões de mortos. Sugiro aos colegas a leitura de livros e que assistam aos documentários sobre o Julgamento de Nuremberg. Na ocasião, os líderes das Tropas Aliadas se interessaram em saber como o cidadão alemão comum foi convencido a participar do massacre de minorias, como os judeus e ciganos, e a acreditar que pertencia a uma raça superior. Depois de eleger Trump em 2016, a máquina de fake news de Bannon foi copiada e aperfeiçoada pelos seguidores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), 69 anos. Em 2018, ele ganhou as eleições presidenciais de Fernando Haddad (PT), 61 anos, atual ministro da Fazenda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos.
Em 2020, Trump concorreu à reeleição contra Joe Biden (democrata), 82 anos, e perdeu. Um dos motivos da derrota é atribuído à pressão exercida pelos movimentos organizados de defesa das liberdades civis para que as plataformas de redes sociais, em especial a Meta e o Twitter (atual X), colocassem filtros para impedir a publicação de mentiras e do discurso do ódio. Em abril de 2022, Musk comprou o Twitter, trocou o nome para X e acabou com os filtros. Em 2024, ele se envolveu ativamente na campanha de Trump, que derrotou a candidata democrata, Kamala Harris, 60 anos, vice-presidente dos Estados Unidos. Pelo seu envolvimento na campanha, Musk foi convidado e aceitou um cargo no governo do presidente eleito. Ele vai dividir com o político, empresário e bilionário Vivik Ramaswamy a direção do recém-criado Departamento de Eficiência do Governo (Doge), com a missão de reduzir os gastos da máquina administrativa americana. Zuckerberg fez uma doação de 1 milhão de dólares para o comitê de posse do presidente. Aqui é o seguinte. Pelas leis americanas, Trump não pode concorrer a um terceiro mandato. Mas nada indica que não possa pressionar para mudar a legislação. Lembro que até 6 de janeiro 2021 a ideia de uma tentativa de golpe de estado no território americano não passava nem pela mente criativa dos roteiristas dos filmes de Hollywood. Naquela data, Trump incentivou os seus seguidores a invadirem o Capitólio (Congresso) para impedir a ratificação da vitória de Biden nas eleições presidenciais de 2020. A minha aposta é que ele não tentará mudar a legislação e irá escolher um candidato para concorrer no seu lugar. Se acontecer, o ficha um é o seu vice-presidente, J. D. Vence (republicano), 40 anos. Musk seria o ficha 2, porém não pode concorrer, porque nasceu na África do Sul, e a Constituição exige que o presidente seja americano nato. Mas Zuckerberg pode concorrer, ele nasceu nos Estados Unidos. Tem mais um fator que merece a atenção dos jornalistas. Um dos esteios de apoio a Trump é a Ku Klux Klan, um movimento de extrema direita que existe no território americano desde 1865 e defende a supremacia branca, a anti-imigração e o antissemitismo. Para saber o rumo que as coisas tomarão no governo do presidente que assume dia 20 é preciso dar um tempo.
Trump só nomeou pessoas da sua estrita confiança e que irão ajudá-lo a encontrar e castigar na máquina administrativa governamental quem prejudicou o desempenho do seu primeiro mandato. Ou seja: ele veio para se vingar. E antes mesmo de assumir, já fez a primeira vítima. O promotor especial Jack Smith, que conduziu o processo que condenou o presidente eleito pelo pagamento de suborno a uma ex-atriz pornô com quem teria tido um caso, não resistiu à pressão e renunciou ao cargo no Departamento de Justiça no último sábado. Dentro de um ambiente destes, a história nos ensina que tudo pode acontecer, inclusive nada. Por ser a maior potência econômica e militar do planeta, tudo que acontece nos Estados Unidos reflete nos quatro cantos do mundo, incluindo os países da América do Sul. A adesão de Zuckerberg ao trumpismo já é motivo de discussão entre as autoridades brasileiras. Para as plataformas de redes sociais da Meta continuarem funcionando no Brasil precisam seguir obedecendo às leis do país. Aqui, faço uma observação. As novas tecnologias de comunicação fazem uma informação circular por todo o mundo, inclusive nos países onde é proibida. As eleições presidenciais no Brasil serão em 2026. Mas a campanha já está na rua. E a extrema direita local apostou as suas fichas que Trump vai ajudar. Tenho dúvidas se ele irá olhar para a América do Sul, que não é uma das suas prioridades. Agora, nada impede que Zuckerberg e Musk ajudem. Dias interessantes vêm por aí.