Foi uma tragédia anunciada o apagão causado pela tempestade que atingiu na sexta-feira (11/10) a Região Metropolitana de São Paulo. O vendaval e a chuvarada mataram sete pessoas, deixaram sem energia elétrica 2,1 milhões de residenciais e espalharam pânico e destruição por todos os cantos, em especial na cidade de São Paulo. Não vou olhar essa bronca pelo lado das empresas estatais ou privadas. Não é a hora. Vou focar na cobertura da grande imprensa na questão do fornecimento de energia elétrica. Em 2023, houve um apagão na capital paulista entre os dias 3 e 9 de novembro. Ou seja, levou seis dias para ser resolvido. Desta vez, o rolo foi maior. Mais de uma semana depois das chuvas e dos ventos ainda havia consertos a serem feitos. Não digo que li, vi e ouvi tudo que se publicou sobre os estragos da tempestade nos jornais, rádios, TVs, sites e redes sociais. Mas o suficiente para ter uma boa ideia de como a imprensa cobriu o apagão. A cobertura diária está sendo feita com eficiência e lançando luzes nos cantos escuros do emaranhado de interesses eleitorais e econômicos que envolve os governos federal, municipal e estadual, a fornecedora e distribuidora de energia elétrica, a multinacional italiana Enel (Ente Nazionale per l’Energia Elettrica) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Vamos a nossa conversa.
O problema da cobertura da grande imprensa começa agora, quando termina a emergência. E as matérias migram das manchetes para o pé das páginas. O problema não é de hoje. Vem de longe. Trabalhei em redação de 1979 a 2014 e me especializei em jornalismo investigativo sobre conflitos agrários, crime organizado nas fronteiras e migrações. Por conta disso, passei a maior parte do tempo viajando pelos rincões do Brasil e países vizinhos. Mas quando estava na redação e acontecia um evento extraordinário, eu era chamado para participar das famosas “forças-tarefas”, também conhecidas como “pescoção”, e operava fazendo a cobertura diária. Lembro-me que assim que a poeira baixava o assunto era abandonado à própria sorte. E não adiantava sugerir, nas reuniões de pauta, que se voltasse a ele, porque os editores faziam “ouvidos de mercador”, ou seja, só prestavam atenção no que lhes interessava. Entre setembro de 2023 e maio deste ano, o Rio Grande do Sul foi atingido por três enchentes devastadoras que deixaram um rastro enorme de destruição, mais de 200 mortes, muitos desaparecidos e inundações por todos os lados. Inclusive na capital, Porto Alegre, onde, na enchente de maio, as águas do Guaíba atingiram níveis históricos, alagando o Centro e vários bairros, deixando fora de operação a Estação Rodoviária (intermunicipal) e o Aeroporto Internacional Salgado Filho. A rodoviária voltou a operar com restrições alguns dias depois que as águas baixaram, mas o Salgado Filho só deverá ser parcialmente reaberto na próxima semana (terça-feira, dia 21), depois de permanecer cinco meses fechado. Tenho questionado a grande imprensa local sobre a qualidade dos consertos feitos, em especial nas casas de bombas encarregadas de evitar os alagamentos em Porto Alegre. E na rede elétrica da Equatorial Energia – CEEE. Entre os posts que tenho publicado se encontra Conserto no sistema contra as cheias da capital resiste às “enchentes de São Miguel?” Uma pergunta sobre o Salgado Filho: qual a garantia de que na próxima cheia ele não ficará debaixo da água novamente?
No ano passado, quando aconteceu o apagão na cidade de São Paulo, um colega inglês, que conheci nas coberturas de conflitos agrários, me perguntou o que exatamente estava acontecendo. Resumi toda a situação em poucas palavras: falta de manutenção. Se não acontecer nenhuma outra tempestade nos próximos dias, os consertos dos estragos na rede distribuição de energia elétrica deverão estar concluídos até o final do mês. Faço a seguinte pergunta. Qual é a qualidade dos reparos feitos pela Enel na rede elétrica? Serão suficientes para resistir ao próximo temporal? Com o “novo normal do clima” é certo que as tempestades violentas se repetirão. Daí a importância do assunto continuar ocupando os lugares nobres dos noticiários. São escassos os repórteres da minha geração que continua nas redações. E também são raros os que se tornaram diretores ou editores. Cabe à nova geração de jornalistas pressionar as direções das redações para manter na pauta assuntos relevantes, como é o caso da rede elétrica de São Paulo. Um capítulo à parte no caso de São Paulo é o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa Neto, que assumiu o cargo em 2022 e cujo mandato vai até 2027. Não sei como funcionam nos outros países as agências reguladoras, se é que existem. Aqui no Brasil são 11 agências federais e o funcionamento delas merece a atenção da imprensa. A Aneel é apenas a ponta de iceberg. Essas agências entraram no radar da imprensa durante o governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos. Na pandemia da Covid, ele fez do seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus uma política de governo.
Surgiram muitas propostas para mudar a estrutura das agências. Não é um assunto fácil de mexer e não haverá mudanças do dia para a noite. Até lá, muitas calamidades vão acontecer. Por isso, é necessário que os jornalistas fiquem atentos ao que vai rolar. A propósito das mudanças nas agências, ouvi alguns colegas comentarem que elas devem ser dirigidas por técnicos, e não por políticos. Conversa fiada. O problema não é quem dirige as agências. Mas que as vigia, para que façam a coisa certa. Mais uma vez. Daí a importância da imprensa ficar atenta. Para arrematar a nossa conversa. Desde os tempos que os jornalistas molhavam a ponta de uma pena num tinteiro para escrever as suas matérias até os dias atuais, em que vivemos cercados por uma enorme parafernália tecnológica, as coisas só funcionam se a imprensa pressionar.