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Opinião

Mulher que levou cadáver do tio ao banco é a ponta do iceberg da violência contra o idoso

Incapacidade física ou mental tornam o velho uma moeda nas mãos dos bandidos

Publicada em 21/04/2024 às 08:24h

Carlos Wagner


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Marina
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Virou notícia global. Na terça-feira (16), Érika de Souza Vieira Nunes levou o cadáver de Paulo Roberto Braga, 68 anos, em uma cadeira de rodas para sacar um empréstimo de R$ 17 mil em uma agência bancária em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro. Imagens da agência mostram Érika conversando com o “Tio Paulo” como se ele estivesse vivo. Os funcionários do banco acionaram o Samu e a Polícia Militar. Ela foi presa e o corpo levado ao Instituto Médico Legal (IML), onde permaneceu até a família, que alegava não ter dinheiro para pagar o funeral, conseguir um enterro social, custeado pelo governo. A investigação policial revelou que, dias antes do episódio de Bangu, Érika perambulou pelas ruas do Rio com tio em cadeira de rodas tentando conseguir um empréstimo em um banco. Ele estava vivo. Mas demonstrava sinais de debilidade física. Essa história tem ocupado grandes espaços na imprensa nacional. Portanto, há uma enorme quantidade de informações disponível na internet. Não vou discutir os detalhes do caso, essa é uma tarefa que a imprensa vem cumprindo com grande vigor. Vou conversar sobre a questão dos idosos que, devido a problemas físicos ou mentais, não têm condições de administrar a sua pensão.

Vejo nesse caso uma oportunidade para a imprensa esmiuçar o sombrio mundo dos idosos incapacitados que se tornam vítimas nas mãos dos seus cuidadores. A primeira vez que ouvi falar sobre o assunto foi no início dos anos 90. Estava de plantão na redação em um fim de semana e recebi uma ligação do interior do Rio Grande do Sul. A pessoa do outro lado da linha contou uma história esquisita, a respeito do dono de uma casa geriátrica que ela descrevia como “morada do horror”. Acabei envolvido pela história e descobri que o dono do lugar pegava o cartão bancário dos aposentados e os jogava em um lugar insalubre, sem alimentação adequada, remédios e outros cuidados. Por ser especializado em conflitos agrários, crime organizado nas fronteiras e migrações, sempre viajei muito pelos sertões do Brasil e países vizinhos fazendo reportagens. E sempre fiquei atento à questão dos idosos. Com base no que testemunhei e escrevi, afirmo que os idosos incapazes são uma moeda nas mãos dos malfeitores. E na maioria das vezes o bandido é um membro da própria família, como é o caso de Érika. Aprendi também que esse crime acontece em todas as classes sociais. Há outro crime contra o idoso que ocorre de maneira silenciosa. Em Porto Alegre existe uma região da cidade conhecida como Centro Histórico. Ali moram muitas pessoas em idade avançada que foram esquecidas por suas famílias. É comum nesses prédios os moradores terem uma morte natural que só é descoberta quando o corpo entre em decomposição e o mau cheiro invade os corredores do edifício. Nos dias atuais, o foco da cobertura jornalística sobre a população idosa trata de questões de saúde (novos tratamentos médicos, remédios e terapias), lazer (turismo especializado) e costumes (sexo na terceira idade). Nada contra, tudo a favor. O problema começa quando o velho perde, por problema físico ou mental, a capacidade de cuidar dos seus interesses. Nesses casos, na maioria das vezes ele ingressa em um terreno sombrio. É justamente aqui que a imprensa precisa ficar atenta e se capacitar para que esse problema entre no radar da cobertura diária. Há pouco mais de duas décadas a população brasileira começou a envelhecer e antigos problemas, como clínicas clandestinas e cuidadores bandidos, começaram a ganhar corpo.

Desde que entrei na redação, em 1979, as coisas funcionam assim. Sempre que acontece uma grande história, como a de Érica e o seu tio Paulo, aproveita-se para passar um pente fino no assunto em busca de novos casos. Episódios como o de Érika não são inéditos no jornalismo brasileiro. Já aconteceram situações semelhantes antes. A diferença é que atualmente existem a internet, o celular e as redes sociais. Há duas décadas, uma notícia como essa dificilmente se espalharia pelo país, muito menos pelo mundo. Hoje, deu a volta no planeta em poucos minutos, o tempo de alguém apertar um botão no teclado. A investigação policial no caso de Érika e seu tio ainda não está concluída. As informações que estão circulando têm como base as imagens das câmeras de segurança e celulares. Muita coisa precisa ser melhor explicada. Acredito que será quando os policiais tiverem acesso às ligações telefônicas e trocas de mensagens da suspeita com o seu círculo de amizades. Pelas imagens, a cada passo que dá, ela relata para alguém os acontecimentos. Com quem ela falou? O que conversou que pode acrescentar alguma novidade? Tudo indica que se trata de um caso isolado de um idoso incapaz que foi vítima da cuidadora. Sou um velho repórter, 73 anos, e tenho o costume de conversar com as pessoas, sem me identificar como jornalista, sobre casos ruidosos para saber o que elas pensam a respeito. Conversei muito sobre o caso de Érika e do seu tio Paulo. Seria legal se uma empresa de pesquisas fizesse um levantamento sobre o assunto para se ter uma ideia do que as pessoas estão pensando.

Para arrematar a nossa conversa. É ano de eleição municipal, uma das disputas mais acirradas do calendário eleitoral brasileiro. Uma boa oportunidade para a imprensa falar desse assunto, colocando na pauta dos candidatos a questão da proteção do idoso incapaz. A atual estrutura policial é baseada em delegacias dos idosos. Mais uma vez, lembro aos colegas. Precisamos ficar atentos aos agentes que atendem nessas delegacias. Certamente, eles têm muitas histórias para contar.




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