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Opinião

Nos 60 anos do golpe de 64, Bolsonaro defenderá os golpistas e torturadores?

É histórico o depoimento de sete horas do ex-comandante do Exército na Polícia Federal

Publicada em 05/03/2024 às 08:08h

Carlos Wagner


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Um recente episódio na carreira política de Jair Bolsonaro (PL), 68 anos, passou batido e merece ser melhor esmiuçado. Desde 1988, quando se elegeu vereador do Rio, depois por seis vezes deputado federal do Rio de Janeiro e, em 2018, presidente da República, esta é a primeira vez que ele não poderá dizer que está falando pelas Forças Armadas. Por ter sido desmascarado pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Tempus Veritatis, que significa “hora da verdade”, em latim, e investiga a conspiração golpista de 8 de janeiro de 2023. A verdade do ex-presidente é que, em 1988, ele era tenente do Exército e foi preso por indisciplina e logo em seguida transferido para a reserva com o posto de capitão. Se autoproclamou porta-voz dos saudosistas do golpe militar de 1964 e fez carreira política. Suas ligações com os golpistas de 64, somadas a outros fatores, o elegeram presidente do Brasil.

Foi durante o seu período na Presidência da República (2019 a 2022) que Bolsonaro consolidou na opinião pública a imagem de que as Forças Armadas haviam voltado ao poder pelo voto popular. Reforçou essa imagem colocando mais de 6 mil militares (ativa, reserva e reformados) na administração federal. No dia seguinte ao da sua posse, começou a trabalhar a narrativa de que só não seria reeleito se houvesse fraude nas urnas eletrônicas. A soma de todos esses fatos resultou na tentativa de golpe de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Foram as provas garimpadas pela Tempus Veritatis do envolvimento do ex-presidente e dos chamados “generais do Bolsonaro” na conspiração dos atos golpistas que mantiveram os saudosistas de 64 fora do caminhão de som durante a manifestação que reuniu, no último domingo de fevereiro (25/2), 200 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, em um evento organizado e financiado pelo polêmico pastor neopentecostal Silas Malafaia, 65 anos, da Igreja Assembleia de Deus em Cristo. E vem mais chumbo grosso por aí. Na sexta-feira (1º/03), o ex-comandante do Exército general Marco Freire Gomes, na condição de testemunha, prestou um depoimento de mais de sete horas para a PF sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Ele comandou o Exército no fim do governo do ex-presidente e, segundo a PF, foi pressionado a apoiar o golpe. Não aderiu e foi chamado de “cagão” pelo general da reserva Braga Netto, que concorreu a vice-presidente na chapa de reeleição de Bolsonaro. O depoimento do ex-comandante do Exército está sendo mantido em sigilo pela PF.

O fato é o seguinte. Existiram, existem e continuarão existindo grupos de militares, empresários, trabalhadores e outras pessoas que são simpáticas ao golpe de estado e defensores dos valores da extrema direita. Eles são encontrados nas democracias mais antigas e consolidadas do mundo, como nos Estados Unidos e em países europeus. No Brasil, o representante desses grupos é o ex-presidente Bolsonaro. Nos Estados Unidos, é ex-presidente Donald Trump (republicano), 77 anos, que nas eleições presidenciais americanas de novembro próximo deverá enfrentar novamente o democrata Joe Biden, para quem perdeu a reeleição em 2020. Em 6 de janeiro de 2021, seguidores de Trump invadiram o Capitólio, o prédio do Congresso, e quebraram tudo que encontraram pela frente – há farto material na internet sobre o assunto. Atualmente, Trump lidera as pesquisas de intenção de voto e está vencendo com folga as primárias para a indicação do candidato republicano. Nas próximas eleições presidenciais no Brasil, em 2026, Bolsonaro não poderá concorrer por ter sido declarado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele também responde a uma lista enorme de processos na Justiça, investigações na PF e outros rolos. Por conta disso tudo é de se perguntar. É apenas uma estratégia do ex-presidente abandonar, até baixar a poeira, a defesa dos valores dos golpistas de 64? Se ele retomar essa bandeira, não poderá mais dizer que fala pelas Forças Armadas, porque se complicaria com a Justiça.

Creio que saberemos a resposta em 1º de abril, quando completam-se 60 anos do golpe militar de 1964. Em outros anos, ele fez um grande alarde sobre o episódio, em especial lembrando a participação do seu herói, o coronel Carlos Brilhante Ustra (1915-2015), que usava o codinome de Dr. Tibiriçá durante as sessões de tortura de presos políticos. O ex-presidente não mentiu para os seus eleitores. Elegeu-se fazendo apologia aos militares e civis que apoiaram o golpe de 64. E cumpriu o que sempre pregou: caso tivesse oportunidade, tentaria fazer o mesmo. A oportunidade surgiu com a sua eleição em 2018. Ele aproveitou e durante todo o seu governo tentou e teve relativo sucesso em detonar a democracia brasileira corroendo a administração pública federal por dentro. Um exemplo disso foi ter tornado política de governo o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid. Há um relatório de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid) que colocou as digitais do ex-presidente e do seu ministro da Saúde (general da ativa, na época) Eduardo Pazuello nas mortes de 700 mil brasileiros. Esse relatório atualmente faz parte de um processo que está com o novo ministro do STF, Flávio Dino. E existe um clamor popular, especialmente dos parentes dos 700 mil mortos, para que o caso não seja esquecido.




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