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Opinião

Jornais perderam qualidade com a burocratização do acesso do leitor ao repórter

Autópsia do apagão em São Paulo vai mostrar como tudo começou

Publicada em 11/11/2023 às 21:55h

Carlos Wagner


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Marina
cresol

 Não é saudosismo. É indignação de um velho repórter estradeiro que compreendeu que as dificuldades criadas pelos dirigentes dos jornais para evitar o contato direto entre o repórter e o leitor que procura a redação em busca de uma solução para os seus problemas do cotidiano prejudicou a qualidade das matérias. Comecei na lida da reportagem em 1979, época que o leitor batia na porta da redação, chamava o repórter e os dois conversavam cara a cara. Frequentemente a conversa acabava em bate-boca e precisava da intervenção da turma do deixa disso. Mas na maioria das vezes rendia boas reportagens. O meu primeiro Prêmio Esso de Jornalismo foi graças a um leitor que foi na redação fazer uma reclamação. Nos dias atuais, os jornais, as emissoras de rádio e TV e as outras plataformas de comunicação cantam marra dizendo que ouvem os leitores. Conversa para boi dormir, como diz o dito popular. As reclamações primeiro são checadas para averiguar se são verdadeiras, com o que eu concordo. Depois passam por um filtro que retira a indignação do leitor, o que considero uma sacanagem. Se o leitor pedir para falar com o chefe do repórter, o editor, dificilmente conseguirá, porque esse personagem passa o dia inteiro em reunião. Contei essa história porque considero que a imprensa tem parte da culpa pela falta de solução da lambança semeada pela chuvarada e o vendaval que detonaram na sexta-feira (03/11) cidades da Região Metropolitana de São Paulo.

A tempestade matou sete pessoas e causou um apagão de energia elétrica que durou vários dias, prejudicando mais de 1 milhão de residências e estabelecimentos, comerciais e indústrias. Em consequência, populares foram às ruas protestar contra a lentidão dos consertos por parte da Enel, concessionária de distribuição da energia elétrica que substituiu a estatal Eletropaulo, fundada em 1981 e, em 1998, dividida em quatro empresas. Não vou discutir a questão da privatização. Mas a fiscalização que oficialmente é feita pelas agências de regulação dos serviços públicos, que no caso da Enel é a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Aqui é o seguinte. As agências de regulamentação funcionam no seu limite, falta de tudo um pouco: funcionários, equipamentos e instrumentos de trabalho. Se o consumidor fizer uma reclamação para uma agência, ela abre um processo e chama o concessionário para dar explicações. O que pode demorar meses. Se ele reclamar para um repórter, na próxima edição do noticiário o concessionário estará dando explicações no gibi, como eram chamados os jornais na época das barulhentas máquinas de escrever nas redações. É diferente e mais eficiente. Depois do temporal em São Paulo, a imprensa tem feito uma boa cobertura dos fatos. Entre as muitas matérias publicadas uma chamou a minha atenção. Falava que os problemas com a prestação de serviços da Enel não são de agora. Vêm de muito tempo. Dezenas de fatores foram apontados como responsáveis pela má prestação dos serviços, um deles se destaca: a diminuição do efetivo de funcionários. Problema semelhante aconteceu no Rio Grande do Sul, que nas últimas semanas foi varrido por vários ciclones extratropicais, principalmente a Região Metropolitana de Porto Alegre, o Litoral Norte e o Vale do Taquari, onde, em setembro, uma tempestade seguida de inundações matou 50 pessoas e destruiu várias cidades, entre elas Muçum e Roca Sales. As maiores distribuidoras de luz no Estado são a RGE, que pertence ao Grupo CPFL, e o Grupo Equatorial Energia, que compraram a parte de distribuição da antiga estatal Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Os noticiários estão repletos de reportagens reclamando da eficiência das novas concessionárias.

Os problemas causados para os consumidores pela falta de eficiência das empresas de distribuição de energia têm lugar de destaque no quadro de aflição dos consumidores. Mas não são os únicos: empresas que prestam serviços de internet, TV a cabo, planos de saúde e bancos também têm os seus espaços nobres nessa galeria. Os consumidores, em especial os idosos, enfrentam sérios problemas. Vou contar uma história. Estava em um grande e bem equipado hospital em Porto Alegre aguardado a minha vez de ser atendido no laboratório. Percebi que uma senhora, de traços finos, vestida de maneira simples e elegante, mexia aflita em um telefone celular. Fiquei observando-a e notei que, aos poucos, ela ficava cada vez mais nervosa e chamava pela atendente no balcão. Depois dela ser atendida foi a minha vez. Perguntei para a balconista o motivo do nervosismo da senhora. Ela me explicou: “A autorização dos exames antes era feita em um formulário de papel. Agora, a maioria dos planos de saúde faz pelo celular. As pessoas mais idosas têm dificuldades para navegar na internet em busca da autorização dos exames e ficam nervosas. Nós as ajudamos”. Digo o seguinte. A vida dos consumidores, em especial dos mais velhos, fica cada dia mais difícil. Não conseguem se beneficiar dos avanços das tecnologias porque ninguém lhes explica como funciona.

Como disse no começo da nossa conversa, sou um velho repórter e aprendi que a velhice não nos torna sábios, e muito menos a juventude nos faz uma pessoa arrojada. O que torna o repórter relevante para o seu leitor é o seu trabalho diário. Como a chamada grande imprensa virou as costas para o cidadão que batia na sua porta em busca apoio da mídia para resolver os seus problemas, vejo que isso cria uma oportunidade de montar um site voltado exclusivamente para atender as broncas dos consumidores. A linguagem que fabricantes, prestadores de serviços e outros profissionais entendem: o repórter dando espaço para os clientes deles colocarem a boca no trombone. Fato é que as novas tecnologias não estão facilitando a vida do consumidor. Muito pelo contrário, elas estão sendo usadas para camuflar as sacanagens dos fornecedores. Nada substitui uma conversa olho no olho entre o repórter e o leitor. Só para lembrar. O que escrevi não é opinião. São fato dos quais fui testemunha. E sempre que posso os lembro nas palestras que faço pelas redações do interior do Brasil e nas faculdades de jornalismo




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