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Opinião

Médicos mortos por engano, celulares nas prisões e o novo normal da segurança pública

Tribunal do crime executou os pistoleiros que mataram o alvo errado

Publicada em 11/10/2023 às 08:13h

Carlos Wagner


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Marina
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A morte dos médicos por engano em um quiosque na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada de quinta-feira (05/10), ressuscitou uma velha e polêmica discussão que existe nas delegacias de polícia no Brasil. Trata-se dos malefícios e benefícios que trazem para a investigação policial a presença dos celulares dentro das cadeias. Acompanho essa conversa desde os anos 90, quando os celulares surgiram e começaram a se tornar populares no país. No caso dos médicos, a presença dos celulares no presídio de Bangu 3 acelerou a solução do caso. Em menos de 48 horas, a Polícia Civil conseguiu descobrir os mandantes e os autores das mortes por engano dos médicos Diego Bonfim, 35 anos, Perseu Almeida, 33, e Marcos de Andrade Corsato, 62. Um quarto médico, Daniel Sonnewend Proença, 32 anos, sobreviveu ao atentado e está hospitalizado com vários ferimentos espalhados pelo corpo. Também nas primeiras 48 horas após o crime foram encontrados os corpos dos quatro pistoleiros que praticaram o atentado. Eles foram executados pelo erro a mando da cúpula do Comando Vermelho (CV), que decidiu o destino deles em uma teleconferência realizada dentro do presídio Bangu 3.

Os corpos dos quatro matadores foram encontrados dentro de dois carros. Três foram identificados: Philip Motta Pereira, o Lesk, Ryan Nunes de Almeida e Juan Breno Malta Ramos, o BMW. O erro aconteceu porque os atiradores confundiram o médico Perseu Almeida com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, filho de Dalmir Pereira Barbosa, chefe da milícia da Zona Oeste do Rio de Janeiro, que disputa com o CV pontos de tráfico de drogas e fornecimento ilegal de serviços (transporte, gato de internet e venda de gás) nas comunidades cariocas. Outro fator que ajudou a acelerar a investigação policial foi o parentesco de um dos médicos mortos. Bonfim era irmão da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que é casada com o seu colega na Câmara dos Deputados Glauber Braga (PSOL-RJ). Há um farto material disponível na internet sobre o caso dos médicos. Vou conversar com os meus colegas, em especial com os jovens que estão nas redações tocando a cobertura do dia a dia, sobre a questão da presença ilegal dos celulares entre os presos. Vamos lá. Desde que iniciei a carreira de repórter, em 1979, li e reproduzi em várias matérias que as prisões brasileiras são como uma escola do crime: o presidiário entra lá como ladrão de galinhas e sai como um assaltante altamente qualificado. Por quê? O Brasil tem a terceira maior massa carcerária do planeta, são 909 mil detentos, sendo que 44% são presos provisórios, aqueles que ainda não foram julgados. Em sua maioria, os presídios são lugares insalubres, que seguidamente são denunciados nos órgãos internacionais de direitos humanos, como a ONU, como exemplos de desrespeito à dignidade da pessoa. Contrabandear um celular para dentro de um caos desses é fácil, como mostram os números de aparelhos apreendidos nas celas, que somam centenas. No final da década de 90 já havia tantos celulares nas cadeias que nós repórteres escrevíamos que as celas eram “escritórios do crime”, porque de lá os chefes das quadrilhas comandavam os seus negócios. Por pressão da imprensa, os governos instalaram nos presídios equipamentos bloqueadores de sinal de telefonia celular. Por conta dessa iniciativa aconteceram várias rebeliões nas penitenciárias.

Ao longo dos anos, o caso dos bloqueadores de celulares nas cadeias virou notícia de pé de página dos jornais e o assunto caiu no esquecimento. Lembro que, nessa época, sempre que acontecia um crime que virava manchete nos noticiários era importante para o repórter ter uma fonte na polícia que trabalhasse nas escutas dos celulares dos chefes de quadrilha presos. Funcionava assim. O gerente dos negócios ilegais do quadrilheiro preso estava com o seu celular grampeado pela polícia (com autorização da Justiça). Ao receber ligações e mensagens do seu chefe, a polícia lia e ouvia os assuntos que eram tratados. Uma vez tive uma conversa com um delegado que jamais esquecerei. Em resumo, ele disse: “O que ouvimos entre o chefe da quadrilha preso e o seu homem de confiança na rua dá para esclarecer um monte de casos. Muitas vezes fornecem informações que servem para encerrar investigações complicadas”. Por conta do que aconteceu com os médicos, a Polícia Civil do Rio já tinha gravado nos seus equipamentos um telefonema informando os matadores que o alvo Taillon, filho do miliciano Dalmir, tinha sido avistado em um quiosque da Barra da Tijuca. O que a imprensa ainda não sabe é se a polícia descobriu que tinha essa ligação gravada só depois que os médicos foram mortos por engano. Ou já sabia que iria acontecer uma execução e não valorizou a informação. O que acontece geralmente nesses casos é que essas informações só se tornam relevantes depois que o crime for cometido e são usadas como prova durante o inquérito policial. Ou seja, a polícia não usa essas informações para agir preventivamente. Aqui também tem o seguinte. Sempre que os celulares dentro das cadeias são utilizados para agravar as guerras entre as quadrilhas, os chefões são transferidos por um período para cadeias federais, onde existem bloqueadores de celular e um controle na comunicação do preso com as pessoas de fora do presídio.  

Claro, essa história de transferir os chefões para presídios federais é enxugar gelo. Porque eles são substituídos na cadeia de comando da quadrilha de maneira imediata e a guerra continua. É opinião unânime entre os especialistas em assuntos de segurança pública que a questão dos presídios precisa ser resolvida para a polícia ter uma chance real de imobilizar os criminosos. Como me lembrou um delegado federal, o celular nas cadeias é consequência do caos que é o sistema penitenciário do Brasil. Em 26 de setembro escrevi o post Até quando o Caveirão será símbolo da política de segurança pública no Brasil? Os médicos executados por engano fazem parte de um grande contingente de pessoas inocentes mortas no fogo cruzado entre os quadrilheiros. Todos os anos centenas de pessoas se juntam a este contingente. Como se diz, essa situação é o novo normal de quem vive no meio da violência urbana.




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