A alguns dias de completar cinco meses fora do poder, o que restou do prestígio político do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) junto aos seus eleitores de carteirinha, calculados em 30% dos 58 milhões e alguns quebrados de votos que recebeu na disputa do segundo turno das eleições contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? É difícil calcular, mesmo que tivéssemos uma bola de cristal, como costumava dizer um editor que conheci nos tempos das máquinas de escrever. Mas podemos enfileirar alguns argumentos sobre o assunto e analisá-los usando o conhecimento que adquirimos da maneira de fazer política de Bolsonaro durante o seu mandato (2019 a 2022).
Em uma leitura de tudo que temos publicado em jornais (papel), sites e noticiários de rádio e TV, a conclusão que se chega é que o prestígio político do ex-presidente está sendo corroído junto as suas bases, conhecidas como bolsonaristas raiz. Há uma fileira de motivos para essa corrosão. Mas existem dois especiais que merecem a nossa atenção. O primeiro é o mais grave. Bolsonaro sempre repetia que “ninguém ficaria para trás” no campo de batalha da disputa política. Essa frase é muito usada nos filmes de guerra americanos. O comportamento dele em duas situações mostrou que essa história de “ninguém fica para trás” eram apenas palavras jogadas ao vento. Na primeira situação, ele virou as costas aos presos durante os atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília (DF), quando centenas de bolsonaristas radicalizados invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, e quebraram tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Há mais de 294 pessoas presas cumprindo prisão preventiva. Incluindo graduados e oficiais da polícia militar e das Forças Armadas. Na segunda situação, o ex-presidente abandonou à própria sorte o seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, que cumpre prisão preventiva acusado de ter falsificado cartões de vacinação contra a Covid-19 de Bolsonaro e de outras pessoas. Além de estar envolvido no escândalo das joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita – há matérias na internet. Outro abandonado por Bolsonaro é o seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, o delegado federal Anderson Torres, que ficou preso preventivamente mais de quatro meses. Nesses dois episódios o ex-presidente faltou com a sua palavra para com os seus seguidores. Entre os militantes raiz, a quebra de confiança é um assunto muito sério. Conversei com vários deles, alguns que conheço desde a década de 80, época dos conflitos agrários. A União Democrática Ruralista (UDR) era então uma organização de extrema direita formada por proprietários de terra que lutava contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele falou o seguinte: “O nosso capitão agora faz de conta que não nos conhece”.
Não tem como medir o grau de corrosão do prestígio político do ex-presidente junto as suas bases raiz. Mas ele existe e avança rapidamente. Uma coisa tenho dito e sempre repito. Bolsonaro nunca enganou ninguém sobre o que pretendia fazer se fosse eleito presidente. Uma das coisas que dizia era que os garimpeiros tinham o direito de garimpar nas terras indígenas e os resultados estão aí para todo mundo ver, como é o caso dos yanomami reduzidos a pele e osso pela fome decorrente da invasão do seu território por garimpeiros. Também sempre deixou claro que o seu maior interesse era proteger a sua família, principalmente os seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Até ele se eleger presidente da República, em 2018, os bolsonaristas raiz eram um grupo restrito ao Rio de Janeiro, que o elegeu deputado federal por três décadas. Hoje, os bolsonarista raiz estão espalhados pelo Brasil inteiro. E são justamente esses novos seguidores do ex-presidente que estão indignados com o comportamento dele em relação a tudo que aconteceu nos atos terroristas de Brasília. Bolsonaro responde a 41 processos, inquéritos policiais e outras broncas com a Justiça. Isso não afeta as suas bases raiz. A maioria deles acha que as acusações são “armação para cima do capitão”. Mas a questão da quebra de confiança afeta o seu prestígio. É essa a conclusão. Conversei com um especialista em política sobre a história da corrosão da imagem do “capitão”. Ele fez uma alerta. Disse que a importância da base raiz é que ela trabalha 24 horas por dia para o seu líder, com quem tem afinidade ideológica. Ele assim definiu o militante: “É o companheiro para as horas ruins”.
Lembro o seguinte. Quando Bolsonaro estava no governo tinha a seu favor o poder de arrumar emprego para os seus seguidores raiz. O poder da caneta, como nós jornalistas definimos essa situação. De uma certa forma, isso contribuía para aumentar a paciência do militante raiz. Hoje isso acabou. Está todo mundo solto no mundo, lutando para sobreviver. Andei vasculhando tudo que temos publicado sobre o que andam fazendo os bolsonaristas raiz depois dos últimos episódios que levaram o ex-presidente a depor na Polícia Federal (PF). Muito pouco se tem publicado sobre esse pessoal. É do interesse do nosso leitor saber o que andam pensando sobre o seu líder. A respeito de Bolsonaro temos publicado que, incluindo o seu círculo íntimo de líderes, todos os seus companheiros apostam que ele ficará inelegível. Digo que ainda tem muita água para rolar por debaixo da ponte para se saber o destino do ex-presidente.