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Opinião

Como separar o blefe da verdade no bate-boca entre Lula e Campos Neto?

Imprensa precisa lembrar que o cenário da discussão dos juros são 30 milhões com fome e 10 milhões desempregados

Publicada em 17/02/2023 às 11:26h

Carlos Wagner


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Marina
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Como separar o blefe da verdade no bate-boca entre Lula e Campos Neto?

A maneira como a imprensa vem fazendo a cobertura do bate-boca entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente do Banco Central do Brasil (BC), o economista Roberto Campos Neto, 53 anos, reforça a ideia entre os leitores de está acontecendo uma disputa entre dois poderes. E que o pano de fundo dessa disputa é o ressurgimento da polarização entre Lula e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), que foi a marca registrada da eleição de 2022. Não é nada disso. O Banco Central é uma autarquia federal que tem autonomia para trabalhar nos assuntos monetários. É ligado ao Ministério da Fazenda e presta contas aos senadores e aos deputados federais. A lei não permite que o presidente da República simplesmente demita o presidente do BC ou de qualquer uma das outras 10 principais autarquias federais – matérias disponíveis na internet. Agora, é do jogo Lula pressionar o Banco Central para que baixe a taxa Selic de juros, atualmente em 13,75%. A Selic é o principal instrumento monetário utilizado pelo BC para controlar a inflação (prevista em 5,48% para 2023). Campos Neto defende o atual patamar da taxa de juros. Vamos conversar sobre o assunto.

Abro o papo dizendo que bate-boca entre o presidente da República e os presidentes de autarquias não são exclusividade de Lula e Campos Neto. Acontecem com regularidade. Lembro que logo que assumiu o governo, em 2019, o então presidente Bolsonaro atacou com fogo pesado os presidentes de várias autarquias. Vou citar um dos casos, que considero o mais relevante. Aconteceu em 2020. Bolsonaro apoiou e trabalhou pela eleição do contra-almirante da Marinha e médico Antônio Barra Torres para diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em janeiro de 2020, Barra Torres assumiu o cargo na Anvisa, com mandato até dezembro de 2024, em meio a um vendaval. O cenário era o seguinte: a população brasileira vivia dias angustiantes porque o país estava mergulhando na pandemia causada pela Covid. E o então presidente da República havia tornado o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e mortalidade do vírus em política de governo. Dentro da estratégia do negacionismo era fundamental para o governo federal ter o apoio da Anvisa. Principalmente na questão da cloroquina e outras drogas que não têm efeito sobre o vírus, mas que faziam parte de um “kit covid” recomendado pelo Ministério da Saúde para ser usado contra a doença – há matéria na internet. Na época, eu era um entre tantos jornalistas que tinham desconfiança sobre o trabalho de Barra Torres na Anvisa. Pelo fato dele ser militar e seguidor de Bolsonaro, inclusive participando de manifestações públicas. Eu estava errado. Barra Torres não só foi contra o “kit covid” como manifestou publicamente o seu compromisso com a ciência. Claro, Bolsonaro não gostou da posição do seu ex-aliado e o atacou pelas redes sociais. Toda essa história está contada nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19 (CPI da Covid), que colocou as digitais do governo Bolsonaro nas mais de 700 mil mortes causadas pelo vírus no país.

Entre o negacionismo de Bolsonaro, Barra Torres ficou do lado da ciência e com isso muitas vidas foram salvas. O caso de Campos Neto é outra história. Mas que igualmente definirá o futuro do Brasil. E o rumo que essa história vai tomar será influenciado pela exatidão das informações que colocarmos nas nossas matérias. Uma correção que precisamos fazer e que considero importante. Não é de hoje. Mas desde que comecei a trabalhar como repórter, em 1979, tratamos em nossas matérias a avaliação de economistas e de operadores do mercado como se fossem uma sentença definitiva. Não são, porque a economia não é uma ciência exata. Simplificando a explicação, ela é formada por várias linhas de pensamentos econômicos. Nada é definitivo. Tudo pode ser mudado pela ação do homem. O que acontece na discussão dos juros? Neto defende uma linha de pensamento da economia. Lula defende outra. Recomendo aos leitores e colegas jornalistas, em especial os jovens que estão envolvidos na cobertura do dia a dia das redações, a assistirem uma entrevista dada pelo economista Pérsio Arida, 73 anos, no último domingo (12/02), ao programa Canal Livre, da Band. Ele é um dos idealizadores do Plano Real, que tirou o Brasil da hiperinflação, e transita no exercício da sua profissão entre o setor público e o privado. É uma das pessoas que melhor explica, de maneira muito didática, o bate-boca entre Lula e Campos Neto. Como vai acabar essa história? Vamos saber nas próximas semanas.

Ainda sobre essa história. Há uma pergunta que vamos ter que responder ao nosso leitor. Qual é peso na discussão dos juros nas ligações políticas de Campos Neto com o ex-presidente Bolsonaro? O que sabemos de concreto é que ele fez o mesmo que dezenas de executivos fizeram. Foi lá e festejou o então recém-eleito presidente da República para conseguir um cargo no governo federal. É do jogo. Agora, isso não significa que atualmente esteja recebendo ordens do ex-presidente, que vive em Orlando, nos Estados Unidos, para sacanear Lula. Campos Neto está ocupando o cargo mais importante na sua carreira de economista. Ele é mais ligado ao ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, do que a Bolsonaro. Mais ainda. O fato de ter atraído a atenção de Lula o colocou na vitrine nos mercados ao redor do mundo. Por quê? Lula assumiu a Presidência há menos de dois meses e tem sido festejado e convidado para conversar com grandes líderes mundiais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata). E Bolsonaro? O nome dele é associado aos atos terroristas praticados por bolsonaristas radicalizados em 8 de janeiro em Brasília (DF). E às imagens de crianças, mulheres e homens da tribo yanomami transformados em pele e osso pela fome causada pela invasão de suas terras por garimpeiros, consequência da desastrada política ambiental do seu governo. Para arrematar a nossa conversa. Há dois grandes problemas no Brasil que precisam ser resolvidos de imediato: há mais de 30 milhões de brasileiros passando fome. E mais de 10 milhões desempregados. Os repórteres da economia precisam falar menos a linguagem dos economistas e operadores de mercado e serem mais atentos às urgências da população. Para encontrá-las, basta olhar pela janela da redação.




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