A 59° edição da Conferência de Segurança de Munique será palco, nas palavras dos próprios organizadores, de uma "plataforma incomparável para debates de alto nível", mas nem todos estão convidados. O evento que começa nesta sexta-feira (17) e vai até o domingo (19) não terá nenhum participante do Irã ou da Rússia enquanto a guerra dos russos contra a Ucrânia se arrasta por quase um ano.
O evento nem sempre foi assim. Em 2007, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, usou o palco para afirmar que considerava "inaceitável" uma ordem mundial unipolar e também criticou o expansionismo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "A expansão da Otan não tem qualquer relação com a modernização da própria Aliança, nem com a garantia da segurança na Europa. Pelo contrário, representa uma provocação séria que reduz o nível de confiança mútua", destacou o presidente russo na ocasião.
Na edição de 2023 da Conferência de Segurança de Munique, contudo, nenhum russo será convidado como resposta à invasão da Ucrânia. A lista de presenças incluí nomes como o presidente da França, Emmanuel Macron, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, a vice-presidenta dos EUA, Kamala Harris, e o ex-chanceler chinês e membro do Politiburo Wang Yi.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Luís Fuccille destaca que a Conferência de Segurança de Munique foi criada no contexto da Guerra Fria para alinhar os países da Europa Ocidental, os EUA e o Canadá. O evento passa por reformulação após a queda do Muro de Berlim, mas "não deixa de continuar a representar até os dias atuais as preocupações, as percepções que incomodam em grande medida o Ocidente, estou falando principalmente o norte, os países centrais do norte ocidental, e, sobretudo, a Europa".
Em comunicado, o governo da França afirmou que Macron participará do evento para "garantir a derrota da Rússia" em sua guerra contra a Ucrânia. A postura francesa está alinhada com a Casa Branca, que alimenta sua indústria bélica com sucessivos envios de armas para a Ucrânia enfrentar a invasão russa. A Alemanha, que no começo do conflito evitou enviar armas para a guerra, anunciou recentemente o envio de seus tanques Leopard-2.
Fuccille destaca que embora seja inegável que a guerra "começa com uma violação da soberania" da Ucrânia, há problemas de ambos os lados e que o conflito não é "irracional". Diante da atual situação, todavia, o pesquisador afirma que a Europa está seguindo os interesses dos EUA de maneira irrefletida e não busca construir uma "saída negociada" para o conflito.
"A guerra não é um fim em si mesmo, ela tem um determinado objetivo. Na guerra você sempre tem que deixar uma porta entreaberta para uma saída para qualquer um dos lados, para o que eu chamo de saída honrosa", diz o professor da Unesp. "O que tem que ser feito é chamar esses atores para se sentar na mesa de negociações e tentar construir uma saída honrosa desejavelmente para ambos os lados."
China na mesa
Outro assunto de destaque no evento será a participação da China. Em editorial, o jornal estatal chinês Global Times afirmou que os EUA e a Otan buscam transformar a Conferência de Segurança de Munique em uma "reunião interna" do mundo ocidental e que a Europa e a China tem uma "ampla convergência de interesses" apesar das tentativas dos EUA de "semear a discórdia".
Próxima da Rússia, a China também não deve conseguir avanços diplomáticos pela paz no evento, acredita Fuccille, porque os EUA não irão aceitar uma mediação de Pequim — e também porque os chineses se beneficiam do petróleo com desconto que compram dos russos, que têm dificuldade de acessar o mercado internacional por conta das sanções ocidentais. Além disso, a diplomacia chinesa também precisa administrar seus crescentes conflitos com os EUA.
"Pequim não atuará como porta-voz de Moscou mas, sem dúvida alguma, Pequim e Moscou têm uma aliança bastante estreita. Tampouco é aquela aliança sem limites anunciada no passado recente, obviamente que ela tem limites, a China pode de certa forma fazer um trabalho de auscultação nesse contexto dominado pelos países ocidentais sobre o que Ocidente está pensando, em especial sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia", avalia o professor da Unesp.