A Ucrânia retomou o controle de boa parte do território de Kherson após a retirada das tropas russas da região recém-anexada por Moscou. Por ser um território estratégico para a Rússia, a chegada das tropas ucranianas à cidade colocou o presidente russo, Vladimir Putin, em uma posição difícil na guerra. Ao mesmo tempo, Moscou continua realizando bombardeios de larga escala contra a infraestrutura energética de grandes cidades ucranianas. Os recentes desdobramentos apontam uma nova etapa do conflito militar, no entanto, desta vez os objetivos russos demonstram falta de clareza.
Na última quarta-feira (23), a Rússia retomou os bombardeios em grandes cidades ucranianas, atingindo a infraestrutura energética do país e também áreas residenciais. Segundo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a Rússia disparou 67 mísseis, resultando na quebra da energia das regiões de Kievv, Odessa e Chernihiv.
De acordo com a polícia ucraniana, dez pessoas foram mortas em todo o país. A capital Kiev ficou completamente sem água por causa do ataque com mísseis. O cenário em grandes cidades ucranianas nesta quinta-feira (24) é de falta de energia elétrica, deixando as pessoas sem luz e sem aquecimento nas casas. Segundo o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, 70% da capital ucraniana permanece sem eletricidade.
A continuidade dos ataques russos na Ucrânia levou o Parlamento Europeu a adotar uma resolução na última quarta-feira (23) classificando a Rússia como “Estado promotor do terrorismo”. Assim, a guerra na Ucrânia completa nove meses de duração sem perspectivas de uma resolução do conflito ou estabelecimento de negociações de paz.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o doutor em Ciência Política pela Universidade Estatal de Moscou, Stanislav Byshok, afirmou que, do ponto de vista da comunidade internacional, o atual cenário possibilita duas lógicas. Uma seria forçar as partes a estabelecer certos compromissos para uma resolução de paz e interromper o conflito. A outra lógica seria apoiar militarmente uma das partes, no caso a Ucrânia, para que a outra parte, a Rússia, deixe o território ucraniano.
“Infelizmente, o segundo caso é o escolhido pelas democracias ocidentais, tornando mais importante ‘vencer a guerra’ do que interromper o derramamento de sangue agora”, destaca.
O pesquisador afirma que a constante retórica de representantes ucranianos é de que as ações militares não podem ser interrompidas agora e não é possível chegar a acordos de paz porque “isso pode fazer com que a Rússia recupere recursos militares para novos ataques”.
“Então a lógica que prevalece é de pressionar a Rússia ao máximo para fora de seu território. É claro que a Rússia não gosta disso, mas quem é que escuta a Rússia neste contexto?”, completa.
A inteligência ucraniana indica que a Rússia continuará com ataques maciços de foguetes contra a Ucrânia. Andrey Yusov, porta-voz do centro de Inteligência do Ministério da Defesa do país, disse nesta quinta-feira (24) que Moscou, como da última vez, levará cerca de uma semana para se preparar para o próximo ataque.
“Eles estão tentando nos quebrar, nos mergulhar na escuridão e no frio durante o período de guerra e nos forçar a negociar nos termos do agressor. Isso realmente não vai funcionar. Entendemos que a frequência de ataques maciços de mísseis à Ucrânia é de cerca de uma semana. Este é o período necessário para se preparar para o próximo bombardeio”, observou Yusov.
Já o especialista militar Oleg Zhdanov, em seu canal no YouTube, acredita que a Ucrânia não está interessada em congelar a guerra durante o inverno. Ele acredita que em cerca de uma semana haverá uma intensificação das hostilidades das Forças Armadas da Ucrânia.
"A Rússia também está se reagrupando. E então, acho, vamos observar a intensificação das hostilidades. Pelo menos do nosso lado. Afinal, perder essa chance ... Quanto mais a Rússia pede negociações, e agora só falta uivo do Kremlin... de que quanto mais ele pede, mais ele precisa atacar", disse Zhdanov.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, por sua vez, disse em 17 de novembro que os ataques com mísseis contra instalações de infraestrutura ucranianas são consequências das ações das autoridades de Kiev, que se recusam a negociar.
Ao mesmo tempo, a retomada de controle da região de Kherson por parte das forças ucranianas deixou a estratégia russa em um impasse. O cientista político Stanislav Byshok observa que a particularidade de Khserson é que esta foi a única região central que foi tomada pela Rússia durante toda campanha militar na Ucrânia.
“A Rússia também controla grande parte da região Zaporozhye, mas a própria cidade de Zaporozhye, o centro da província, sempre esteve sob controle ucraniano, o que resulta que a Rússia atualmente não controla nenhuma região central, se não falarmos de Donetsk e Lugansk, que de facto já estavam sob controle russo desde 2014”, explica.
No final de setembro, Putin, anunciou a anexação das regiões de Kherson, Zaporozhye, Donetsk e Lugansk à Federação Russa após a realização de referendos populares favoráveis à integração ao controle de Moscou. No início de novembro, o Ministério da Defesa russo anunciou a retirada das tropas de Kherson alegando reagrupamento estratégico.
Para Stanislav Byshok, a síntese desses noves meses de conflito é de que a percepção internacional de que a Rússia possui a segunda maior força militar do mundo agora está sob suspeita.
“Como se diz, ‘é melhor ser do que parecer’. Pode ser que para a Rússia, para a segurança da Rússia, seria melhor permanecer sendo o país que ‘parece ser invencível’, mas não entrando em nenhuma guerra, de tal forma que todos pensariam que seria invencível e todos teriam medo de verificar”, argumenta o pesquisador, destacando a brusca mudança de uma percepção global sobre a força da Rússia.
Por outro lado, há uma mudança de percepção da credibilidade interna das autoridades russas, considerando que a anexação dos territórios do leste da Ucrânia foi realizada sob a promessa de que estes territórios seriam mantidos como parte do país.
"Em 2014, quando a Rússia rapidamente anexou a Crimeia, e o presidente russo anunciou que a Crimeia estará sempre como parte da Rússia, todos acreditaram isso como o novo status quo. Agora, passando nove meses da guerra, o termo ‘para sempre’ e o valor desse tipo de promessa passou a ser muito baixo. Isso é um grande problema, porque diz respeito à credibilidade da Rússia não somente do ponto de visto estrangeiro, mas do ponto de vista da confiança nas autoridades russas dentro da própria Rússia”, completa.