Em pouco menos de 30 minutos de discurso, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscou reposicionar o papel do Brasil perante a comunidade internacional, usando como palco a visibilidade política da Conferência do Clima (COP27), no Egito, nesta quarta-feira (16).
A presença de Lula no evento vinha sendo aguardada com ansiedade por governantes de outros países e lideranças ambientais. Antes mesmo de ser empossado como novo presidente do Brasil no dia 1º de janeiro de 2023, Lula parece já ser tratado como chefe de Estado – situação que constrasta com a do presidente Jair Bolsonaro (PL), recluso no Palácio da Alvorada há mais de 15 dias, desde que perdeu o segundo turno da eleição.
No discurso, Lula citou as múltiplas crises que afetam o planeta, como as guerras e a fome, mas destacou que momentos de extrema dificuldade são propícios para unir esforços e superar desafios.
“O planeta que a todo momento nos alerta de que precisamos uns dos outros para sobreviver. Que sozinhos estamos vulneráveis à tragédia climática. No entanto, ignoramos esses alertas. Gastamos trilhões de dólares em guerras que só trazem destruição e mortes, enquanto 900 milhões de pessoas em todo o mundo não têm o que comer”, ponderou.
“Vivemos um momento de crises múltiplas – crescentes tensões geopolíticas, a volta do risco da guerra nuclear, crise de abastecimento de alimentos e energia, erosão da biodiversidade, aumento intolerável das desigualdades. São tempos difíceis. Mas foi nos tempos difíceis e de crise que a humanidade sempre encontrou forças para enfrentar e superar desafios.”
Lula ressaltou que os acordos já finalizados têm que sair do papel. Para isso, disse ser preciso haver recursos para que os países em desenvolvimento, principalmente os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande escala pelos países mais ricos, embora afete de maneira desproporcional os mais vulneráveis.
O presidente eleito não poupou Bolsonaro das críticas. Ao comentar que a eleição brasileira foi observada com atenção por outros países devido a necessidade de “conter o avanço da extrema-direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo”, destacou que a sobrevivência da Amazônia e, portanto, de todo o planeta, também dependia do resultado do pleito eleitoral.
“Ao final de uma disputa acirrada, o povo brasileiro fez a sua escolha, e a democracia venceu. Com isso, voltam a vigorar os valores civilizatórios, o respeito aos direitos humanos e o compromisso de enfrentar com determinação a mudança climática. O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário cresceu 75%”, afirmou, recuperando resultados de seus primeiros mandatos.
“Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos – no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente”, lamentou.
Lula então confidenciou que tem ouvido muito dos líderes de diferentes países a frase de que o mundo “sente saudade do Brasil’.
Ao que concluiu anunciando: “Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos”.
Demanda antiga desde quando ainda era presidente, Lula voltou a cobrar mudanças no Conselho de Segurança da ONU e pediu o fim do privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos membros, como forma de promover equilíbrio e paz.
“Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres. Precisamos de mais empatia uns com os outros. Precisamos construir confiança entre nossos povos. Precisamos nos superar e ir além dos nossos interesses nacionais imediatos, para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional, que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações de futuro”, conclamou.
No trecho em que se deteve especificamente ao tema da COP27, o presidente eleito ressaltou projeções da Organização Mundial da Saúde de que, entre 2030 e 2050, o aquecimento global poderá causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano devido a desnutrição, doenças e estresse provocado pelo calor excessivo.
Também conforme estimativas da OMS, lembrou que o impacto econômico da crise climática, apenas no que se refere aos custos de danos diretos à saúde, é estimado entre US$ 2 bilhões a US$ 4 bilhões por ano até 2030.
Lula então citou os tornados e tempestades tropicais cada vez mais frequentes e com potencial destrutivo sem precedentes nos Estados Unidos; o risco de países insulares desaparecerem; a maior seca em 90 anos no Brasil, em 2021, apesar do País ser uma potência hídrica; os incêndios devastadores e inundações que causam um número inédito de mortes na Europa; assim como as enchentes e secas na África e a elevação do nível dos mares.
“Ninguém está a salvo. A emergência climática afeta a todos, embora seus efeitos recaiam com maior intensidade sobre os mais vulneráveis”, afirmou, para logo em seguida destacar que o 1% mais rico da população do planeta está a caminho de emitir 70 toneladas de gás carbônico per capita por ano.
Por outro lado, os 50% mais pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per capita, segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado na COP 26. “Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo”, concluiu.
Talvez o tema mais aguardado pela comunidade internacional presente na COP27, Lula criticou o aumento do desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro e se comprometeu a não medir esforços para zera-lo, assim como a degradação dos biomas brasileiros até 2030.
“Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua. Vamos fortalecer os órgão de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”, projetou.
O futuro presidente disse que irá provar ser possível gerar riqueza sem provocar mais mudança climática, explorando com responsabilidade a biodiversidade da Amazônia. Segundo ele, é possível haver crescimento econômico e inclusão social tendo a natureza como aliada estratégica, e não como uma inimiga “a ser abatida a golpes de tratores e motosserras”.
Perto do final do discurso, Lula falou especificamente para o agronegócio brasileiro, setor em que enfrenta maior resistência e que apóia majoritariamente Bolsonaro. Disse que a produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado e que a meta a ser perseguir é a da produção sequestrando carbono, protegendo a biodiversidade, buscando a regeneração do solo dos biomas e o aumento de renda para os agricultores e pecuaristas.
“Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais. No Brasil há vários exemplos exitosos de agroflorestas”, analisou, acenando para a busca de interlocução com o setor.
Lula ponderou que o País tem cerca de 30 milhões de hectares de terras degradadas e que, com o conhecimento tecnológico atual, é possível torná-las agricultáveis sem precisar desmatar “sequer um metro de floresta” para o Brasil continuar sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
“Este é um desafio que se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos. Por isso estamos propondo uma Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática”, disse o futuro presidente, costurando diferentes temas que lhe são caros com a temática central da COP27.