O governo do Estado decidiu estender a todo Rio Grande do Sul o protocolo aplicado nos últimos dois anos em Porto Alegre para a redução de homicídios. Um termo de cooperação assinado na manhã desta segunda-feira (4) no Palácio Piratini é um dos passos para marcar a adoção da estratégia. O foco do plano é endurecer as medidas contra o crime organizado que pratica execuções.
A estratégia prevê uma sequência de medidas, adotadas em escala. Entre as ações que devem ser realizadas, está a saturação de áreas por meio da presença do policiamento, sempre que houver um assassinato ligado às disputas entre facções criminosas, e outras ações, como investigações voltadas ao grupo criminoso e responsabilização das lideranças. A medida mais severa prevista é o isolamento dos líderes que ordenarem as execuções.
— Cada vez mais lideranças do crime organizado que determinarem práticas de homicídio vão sofrer ações do Estado. Todo grupo criminoso que determinar homicídios vai para a lista de prioridades das investigações. E vamos vir com várias ações: asfixia financeira, prisão da liderança, prender o segundo escalão, ações de combate à lavagem de dinheiro. Esse grupo vai sofrer consequência do Estado e não vamos aceitar prática de homicídio — afirma o secretário de Segurança Pública, Sandro Caron.
O governador Eduardo Leite destacou o momento de queda nos indicadores vivido pelo Estado nos últimos anos, mas reconheceu que ainda é preciso avançar nas estratégias em relação ao crime organizado:
— Nesses últimos anos temos empregado uma estratégia de segurança pública coerente, baseada em evidências. A gente tem conseguido reduzir fortemente os indicadores aqui no RS. Estamos fazendo um passo importante num momento que não é de crise. Com ações concretas para podermos fazer o enfrentamento ao crime organizado. Precisamos ter uma ação ainda mais qualificada em relação aos grupos organizados.
Ato de assinatura de termo de cooperação aconteceu nesta segunda-feira (4), no Piratini.
76 vagas na Pasc
Uma das medidas a serem adotadas é o isolamento dos líderes. Para isso, será usado um módulo que foi construído na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A obra, que teve custo de R$ 30 milhões, tem 76 vagas.
— Na Pasc, temos um módulo, com 76 celas individuais. Com pátio individual, com investimento em bloqueadores de celular. Tudo para impossibilitar que haja comunicação. Isso para evitar que as grandes lideranças possam de dentro dos presídios comandar o crime organizado — detalha o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana.
Um dos intuitos ao manter os presos isolados, mas dentro do Estado, é evitar que lideranças estabeleçam novas conexões com grupos criminosos de fora do RS, criando ramificações e fortalecendo a atuação.
— Desde 2016, 2017, o RS vem enviando presos para fora do Estado. E temos esse efeito colateral, que é às vezes fazer com que as lideranças tenham interação com criminosos de outros Estados. Envios de presos para o sistema federal serão excepcionais e estudados caso a caso — afirma Caron.
O controle do sistema será feito pela 3ª Vara de Execuções Criminais (VEC), que deve estar em funcionamento a partir de 29 de novembro. Um comitê interinstitucional, coordenado pelo secretário de Segurança, também articulará as medidas com as instituições.
A secretária de Saúde, Arita Bergmann, falou sobre as ações que serão realizadas no sistema prisional. Um dos objetivos é ampliar os atendimentos realizados pela saúde, para evitar que presos precisem deixar as unidades para receberem tratamentos. Esse, muitas vezes, é um dos motivos que leva detentos a receberem direito à prisão domiciliar.
— Hoje estamos aqui porque a saúde cuida da atenção primária, já instalada devidamente, e cuida da área hospitalar. Há um vazio que é atenção especializada de média complexidade. Criamos um ambulatório especializado, com atendimento de médicos especialistas que irão para dentro do presídio para consultas — afirma.
Queda em indicadores
A estratégia lançada nesta segunda-feira é realizada dentro do programa RS Seguro, colocado em prática a partir de fevereiro de 2019. Desde lá, uma série de ações vem sendo adotada no Estado para reduzir a criminalidade violenta.
Em 2017, por exemplo, o Estado tinha uma taxa de homicídios de 31,5 por cem mil habitantes. Em 2023, o RS teve o menor número de homicídios num ano, em toda a série histórica, iniciada em 2010. Em 2024, a expectativa é encerrar o ano com 16 mortes por 100 mil habitantes.
— Achamos que, embora estejamos com números muito favoráveis, podemos conseguir resultados ainda melhores — diz o secretário-executivo do programa RS Seguro, Antônio Padilha.
Aplicação na Capital
O protocolo lançado pelo governo vem sendo adotado na Capital desde o início do ano passado. As medidas passaram a ser empregadas pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) após a constatação de que 80% dos assassinatos ainda eram cometidos pelo crime organizado.
Houve a criação de um protocolo com sete medidas para enfrentar os crimes ordenados pelas facções. As ações passaram a ser realizadas de forma conjunta entre Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Penal, com apoio do Poder Judiciário e do Ministério Público. Neste ano, Porto Alegre alcançou índices abaixo da considerada taxa epidêmica de homicídios pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes.
— Foi feito em Porto Alegre e a gente quer expandir para o Estado inteiro. Ações nas ruas de saturação, de asfixia financeira. É uma extensão disso aqui para todo o Estado — afirma o secretário Caron.
Inspiração em Boston
As medidas aplicadas em Porto Alegre, e agora estendidas ao Estado, têm como base uma teoria chamada dissuasão focada. Já aplicada nos Estados Unidos, esta metodologia tem como uma das premissas fazer as ordens de execuções nas ruas, muitas vezes vindas de dentro das cadeias, cessarem.
Para isso, é preciso que os líderes estejam cientes das penalidades que sofrerão caso os crimes continuem acontecendo. A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova York. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.