O nome assusta: leptospirose. E, por estar comumente associada à presença de ratos, a possibilidade da doença afetar um animal de estimação pode gerar repulsa e angústia nos tutores.
Um aumento nos casos de leptospirose é esperado nas semanas seguintes a fortes enxurradas. Contudo, o longo tempo que passamos com águas acima do nível razoável no Rio Grande do Sul cria uma expectativa desconhecida a respeito do número de casos. Também é importante levarmos em conta que a maioria dos animais resgatados foram submetidos a grandes tensões, muitas vezes acompanhadas de ameaça à vida. A situação, por si só, já tem o poder de baixar de forma significativa a imunidade de cães e gatos.
Como se já não bastasse tantas incertezas e provações, muitos animais chegaram aos abrigos com outras enfermidades já em curso, como doenças fúngicas, parasitárias e virais, que comprometem ainda mais o sistema imunológico diante de novos desafios, explica David Driemeier, professor de patologia da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ainda que tais condições sejam dignas de investigação, e possam levar à morte, é a leptospirose que segue soberana na lista de enfermidades por conta da enchente.
Por se tratar de uma zoonose, existe a possibilidade, embora pequena, de ser transmitida de animais para humanos. A principal forma de humanos pegarem leptospirose ainda é por contato direto com ambientes contaminados.
Como se pega leptospirose?
O contato dos animais com água contaminada é um dos fatores que facilita a disseminação, mas é bom lembrar que a lama, durante o processo de limpeza das casas afetadas, também pode promover esse contato, razão pela qual recomenda-se o uso de botas e luvas para a higienização dos ambientes. Da mesma forma, os animais ficam mais protegidos se são levados de volta para suas moradias apenas depois de higienizadas corretamente com uso de água sanitária.
A aglomeração de animais também é uma forma de disseminação do agente, pois os cães têm o costume de cheirar mucosas e focinhos uns dos outros, o que facilita a troca de secreções.
Quanto tempo demora para os sintomas aparecerem?
De acordo com o patologista, o tempo para o surgimento dos primeiros sinais clínicos de um animal portador de leptospirose é geralmente entre sete e 14 dias. Os sintomas nem sempre são visíveis aos olhos dos tutores, ainda mais quando se trata de quem levou um pet para casa para contribuir com a causa animal na enchente.
Quais os sinais mais evidentes da doença?
Alguns sinais podem ser bastante evidentes. Driemeier esclarece que são dois os sorotipos mais frequentes encontrados em cães. Um deles está associado a sinais gastrointestinais (vômito e diarreia) e insuficiência renal, o que pode também causar repentino mau hálito no animal. O outro tipo é aquele responsável pela cor amarelada, a famosa icterícia, que pode ser observada na pele, na gengiva e até nos olhos do paciente.
Por que a leptospirose mata?
Os cães que morrem dessa doença apresentam grave insuficiência renal e hepática, podendo haver casos também de hemorragia pulmonar.
Em quanto tempo os animais se recuperam da doença?
Dependendo do estado nutricional e do tempo para receber cuidados médicos, os animais se recuperam em um curto espaço de tempo. Driemeier salienta a importância de acompanhamento especializado o quanto antes, pois a intervenção precoce aumenta as chances de recuperação.
Foi o que aconteceu com Kiara, uma simpática mascote que parou de se alimentar duas semanas após a inundação chegar ao bairro Sarandi, em Porto Alegre. Dias depois, seus olhos passaram a ter uma coloração amarela.
— As pessoas nem sempre relacionam o animal quieto e sem fome com sinal de perigo porque não conheciam o comportamento dele antes de adotá-lo — lembra Daniele Duhart, médica veterinária responsável por um dos abrigos de animais em Porto Alegre.
Mas, para a tutora de Kiara, a cor amarela dos olhos foi um sinal inconfundível de que alguma coisa estava estranha. Diagnosticada com leptospirose, Kiara recebeu medicação e, em oito dias, já não havia mais sinais da doença.
Como prevenir a leptospirose?
Considerando a situação atípica que vivemos, é interessante promover a vacinação dos animais, mesmo aqueles que não tenham tido contato com a água ou com os abrigos, pois os cães socializam cheirando uns aos outros e isso pode ser uma forma de contágio, explica Driemeier.
Além disso, deixar os animais longe das zonas de alagamento é outra estratégia interessante para impedir contato com água contaminada. Evitar aglomeração de cães também é uma medida preventiva.
Podemos pegar leptospirose de um animal doente?
Sim. O contato com a urina e as secreções de animais contaminados precisa ser evitado. A higienização deve ser sempre com o auxílio de máscara e luvas.
Vai haver um surto de leptospirose?
Os abrigos, por já terem encerrado a entrada de novos animais, podem usufruir de certo controle, ainda mais aqueles que conseguiram vacinar seus abrigados. A rápida presença de médicos veterinários nesses espaços também se mostrou uma forma eficiente de controlar a leptospirose, uma vez que os casos suspeitos eram rapidamente isolados do grupo e tratados.
Driemeier, contudo, recomenda cautela. Embora os números não tenham características de surto, devemos seguir atentos às formas de contágio, pois o agente da doença ainda pode estar em poças ou regiões lamacentas.
— As imunidades que temos adquirido há gerações têm sido fundamentais para a sobrevivência, tanto de humanos quanto de animais. No caso dos cães, são muito boas as chances de recuperação em tratamento precoce — finaliza o professor.