Milhares de agentes do poder público e voluntários fazem resgates e se esforçam 24 horas para socorrer as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
Enquanto isso, no entanto, outro exército se mobiliza nas redes sociais para criar e distribuir informações falsas sobre a tragédia.
Autoridades do Rio Grande do Sul informaram que ao menos 78 pessoas morreram devido às fortes chuvas que assolam o Estado desde a semana passada. Até às 18h de domingo (5/5), a Defesa Civil gaúcha contabilizava ao menos 105 pessoas desaparecidas. Cerca de 115 mil pessoas estavam desalojadas.
Segundo a Defesa Civil estadual, 341 dos 497 municípios gaúchos foram afetados pelas fortes chuvas que se estendem desde o início da semana. São 844 mil pessoas afetadas pelas enchentes.
Em meio a essa tragédia, a reportagem da BBC identificou diversos casos de desinformação, confirmados por especialistas, que eram amplamente divulgados nas redes sociais.
Algumas das que mais se destacaram no último fim de semana foram as informações falsas de que o governo havia se mobilizado para multar os barqueiros que fazem o resgate das vítimas e a de que o governo federal teria patrocinado o show da Madonna no Rio de Janeiro.
Na noite de domingo, o governo do Rio Grande do Sul desmentiu a informação da multa e informou por meio de nota que “não há exigência de habilitação para condução desses equipamentos, conforme informações do governo do Estado, por meio do Gabinete de Crise”.
Em vídeo, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta (PT-RS), disse que estavam fazendo uma falsa ligação do show da Madonna com a tragédia no Rio Grande do Sul — e negou a informação de que o governo federal teria financiado o show.
"O show da Madonna foi pago pelo Itaú e pela Heineken, com apoio da prefeitura do Rio e do governo do Estado", disse.
A editora-executiva dos Aos Fatos (plataforma de investigação contra a desinformação), Fernanda da Escóssia, diz que esses esforços para responder às fake news prejudicam os resgates.
“Nesse ecossistema, a desinformação zomba da vida alheia, tripudia sobre os mortos e não se constrange em produzir conteúdos falsos com o objetivo de conseguir cliques, engajamento e monetização por adesão a um posicionamento político”, diz.
Escóssia reforça que os riscos numa tragédia são grandes e que a desinformação os amplifica. Para ela, as notícias falsas desviam a atenção para problemas inexistentes.
“Elas (notícias falsas) têm um efeito muito perverso. Atrapalham o trabalho das autoridades no socorro das vítimas, pois têm que ficar desmentindo conteúdo falso. Isso prejudica o trabalho de quem tem que atuar nesse socorro e gera ondas de pânico”, diz.
Fabricio Pontin, que é professor de Relações Internacionais da Universidade La Salle em Porto Alegre e na vizinha Canoas, está envolvido nas ações para arrecadar doações para os atingidos, ao mesmo tempo em que observa o discurso nas redes sobre a tragédia.
Analisar a dinâmica da criação e circulação da desinformação nas plataformas digitais é um dos seus objetos de pesquisa. Para Pontin, está acontecendo um fenômeno de “repolarização da narrativa sobre a catástrofe”.
“O pessoal que é contra governo está encontrando nessa crise as narrativas que consolidam a posição deles de ser contra governo, contra imposto, contra instituições. E, da mesma forma, você encontra uma [narrativa] anticapitalista [do outro lado]. Em todos os grupos sociais, parece estar havendo essa consolidação.”
Para ele, “associar isso [as fake news ou a criação de narrativas] apenas com a extrema direita é um reflexo errado”.
A questão, ele diz, é que na direita radical, essas redes são extremamente profissionais. “Tem muita gente ganhando muito dinheiro com tudo isso, então também não dá para ignorar que tem esse fator.”