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RIO GRANDE DO SUL

'Vinícolas assumiram responsabilidade quando resolveram terceirizar e não fiscalizaram'

Valdete Souto Severo afirma que uma consequência prevista em lei é a expropriação das terras de vinícolas onde ocorria trabalho escravo

Publicada em 03/03/2023 às 08:13h

Sul 21


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Marina
cresol

'Vinícolas assumiram responsabilidade quando resolveram terceirizar e não fiscalizaram'

Após o resgate de mais de 200 trabalhadores da safra da uva em vinícolas da serra gaúcha mantidos em situação de trabalho análogo à escravidão, empregados por uma prestadora de serviço terceirizada, as três empresas vinculadas ao caso emitiram notas de esclarecimento. A Família Salton, no dia 24, a Vinícola Aurora, no dia 25, e a Cooperativa Vinícola Garibaldi, no dia 26. Em comum, o discurso de que desconheciam a situação. Apesar da tentativa de se afastar do problema, as empresas podem sim ser responsabilizadas pelo ocorrido. A juíza do trabalho Valdete Souto Severo explica que ao optarem pela terceirização, as empresas assumem também o risco do resultado dessa escolha.

A Salton, em seu comunicado, deixa claro que atendeu às exigências legais na contratação da empresa terceirizada mas reconhece que não averiguou in loco as condições de moradia oferecidas pelo prestador aos trabalhadores. Ainda chama de “fato isolado” e “ponto de melhoria”. Os trabalhadores descreveram às autoridades que o alojamento não tinha segurança ou condições de higiene e que sofriam ameaças de agressões com uso de choques elétricos e spray de pimenta.

A Vinícola Aurora também declarou que os gestores desconheciam a “moradia desumana em que os safristas eram acomodados” após o período de trabalho. Ainda, a nota relata que a empresa pagava à terceirizada R$ 6,5 mil por mês por trabalhador e exigia os contratos de trabalho. A força-tarefa responsável pelo resgate revelou que os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentos sempre no mesmo mercado, com preços abusivos e juros altos quando não tinham dinheiro, e sofriam desconto do salário pela moradia.

Já a Garibaldi diz que a notícia das denúncias foi uma surpresa e em nenhum momento fala sobre ter feito qualquer fiscalização à prestadora de serviços. Porém, segundo a lei brasileira, a empresa tomadora, que contrata os serviços de uma outra empresa terceirizada, é também responsável pela segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho.

 

De acordo com Valdete, a simples escolha pela terceirização é uma uma opção administrativa e, ao fazê-la em vez de contratar diretamente, a tomadora assume também o risco do resultado dessa escolha. “Se não fiscalizar e ou se fiscalizar, tem que impedir que o dano aconteça. Então, a confissão de falta de fiscalização da tomadora [no caso da Salton] significa que ela está assumindo a responsabilidade que ela tem diante desses vínculos que foram firmados desse jeito como trabalho em situação análoga à escravidão. Ou seja, o próprio fato em si já é determinante para que haja responsabilidade de quem de algum modo se beneficiou com essa situação de trabalho”, explica a doutora em direito do trabalho.

Ela compara o caso da serra gaúcha com outros como o da loja de roupas Zara, que, ainda em 2011, manteve trabalhadores terceirizados em situações análogas à escravidão. No Rio Grande do Sul, o mesmo é visto nas lavouras de fumo. “Praticamente todos os casos de trabalho em situação análoga à escravidão que foram descobertos nos últimos tempos no Brasil são de situações de trabalho terceirizado”, relata. 

Valdete observa ainda que a postura adotada pelas vinícolas é a mesma de outras empresas em situação semelhante. “ É sempre a mesma coisa, a declaração de surpresa, de que não sabiam de nada, de que agora tomarão providências, mas aí que está o problema, na origem, na escolha de terceirizar. Mesmo que a gente parta do pressuposto que é possível terceirizar, é preciso entender que essa escolha administrativa acaba gerando como efeito a possibilidade de acontecer coisas como essa e a tomadora realmente não saber. Então não se trata de dizer que essas vinícolas deliberadamente escolheram escravizar os trabalhadores, mas elas assumiram esse risco e a responsabilidade por isso quando resolveram terceirizar e não fiscalizaram.”

Valdete reforça que somente o pagamento de verbas rescisórias e outras consequências trabalhistas não é uma reparação à situação de trabalho escravo. A medida corresponde somente ao que já é previsto para qualquer situação de quebra de contrato. Para casos como esse, é necessária a reparação de algum modo, mesmo que em parte, dos danos sofridos, inclusive imateriais, pelas vítimas. 

“Se para contratar um trabalhador o valor que você gasta é ‘x’ e a empresa resolve terceirizar para gastar com isso ‘x-50%’, é evidente que em algum lugar essa redução de valor vai se reverter. O lugar onde ela se reverte, sem nenhuma exceção, é na precarização das condições de trabalho, de quem é contratado de forma terceirizada e, nesse caso, de forma escravizada”, diz.  

Para ela, uma consequência prevista em lei que poderia ser aplicada às vinícolas é a expropriação das propriedades onde o trabalho era realizado, de acordo com o Art. 243 da Constituição Federal: As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. 

 




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