Neste 8 de janeiro se completam dois anos desde que uma multidão disposta a derrubar o governo do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) invadiu e depredou as sedes dos três poderes, em Brasília. Foi a maior onda de distúrbios políticos em 60 anos no país e terminou com a prisão de 1,9 mil envolvidos — parte deles flagrada dentro dos prédios que eram depredados e os demais acampados em frente a quartéis, apelando pela derrubada do governo pelos militares. Ao todo, 1.552 pessoas se tornaram rés pelos atos antidemocráticos e 371 foram condenadas. Os processos contra os demais continuam.
Dos 1,9 mil detidos entre 8 e 9 de janeiro de 2023, 775 foram liberados por serem idosos, doentes ou mães de crianças pequenas, mas a maioria ficou meses presa. Ao longo de 2023, centenas acabaram libertados, mediante habeas corpus aceitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo esses foram processados judicialmente. Conforme acompanhamento feito pela reportagem, 105 gaúchos foram presos e apenas três não se tornaram réus.
Os réus se dividem basicamente em dois grupos. Um deles, em sua maioria formado por acampados que não foram flagrados em locais de depredação, é composto por 1.093 pessoas, que respondem por crimes leves, como incitação ao crime (ao pedir a derrubada do governo) e associação criminosa. Quando condenados, pegam, em média, um ano de prisão (147 deles foram condenados). Parte desse contingente admitiu ter cometido os crimes e prometeu não repeti-los. A eles foi oferecido Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), pelo qual eles têm a pena substituída por 300 horas de serviços comunitários e são obrigados a frequentar um curso sobre democracia. Até agora foram firmadas 527 ANPPs.
O outro grupo, minoritário, é composto por 459 réus acusados de crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio. A eles não foi oferecida possibilidade de acordo. Desses, 228 foram julgados e só quatro, absolvidos. Os sentenciados foram condenados a penas que variam de 15 a 17 anos de prisão. Desses condenados, 70 já cumprem pena atrás das grades, após negados seus recursos. Outros 78 estão presos de forma provisória, porque foram considerados perigosos para permanecerem em liberdade. Os demais ainda tentam reverter a sentença. Os números são atuais e novos julgamentos só devem ocorrer em fevereiro.
Perícia nos celulares é a principal prova
Os principais indícios usados pela Polícia Federal (PF) para conseguir as condenações estão baseados no próprio telefone móvel dos réus. O GPS deles mostrou a trajetória desde suas cidades até a megamanifestação que terminou em quebra-quebra em Brasília. Além disso, foram usadas filmagens como prova — tanto por câmeras de monitoramento dos prédios, como dos próprios celulares dos envolvidos nos atos. Muitos se filmaram enquanto acontecia a depredação.
Diversos condenados estão em lugar incerto. A PF contabiliza pelo menos 60 foragidos, dentre os 1,5 mil réus. Inclusive gaúchos. Escaparam, na maioria, enquanto aguardavam em liberdade recursos contra as condenações sofridas no STF. A maior parte desses fugitivos se mudou para a Argentina e teve ordem de prisão naquele país, mas só quatro deles foram detidos até agora. Alguns foram para a Bolívia e o Peru.
A reportagem contatou alguns dos condenados. Em comum, todos se consideram presos políticos. Preferem falar sob condição de anonimato. Os relatos são similares: iam para Brasília em um "protesto pacífico" contra o governo eleito e acabaram presos. Todos negam ter participado de depredações. Alguns dizem que sequer chegaram perto da Praça dos Três Poderes e consideram descabida sua prisão em um acampamento de manifestantes.
Outra queixa é de que, para poderem receber visitas tinham de mostrar certificados de vacinação contra a covid-19. A exigência seria por medida sanitária, mas alegam que a regra era imposta mesmo que o contato com familiares fosse via chamadas virtuais por vídeo.
Todos os condenados (por crimes leves ou graves) estão com o passaporte retido, porte de arma revogado e deverão pagar, em conjunto, o valor de R$ 5 milhões por danos morais coletivos.
Foram julgados até agora apenas os que a PF considera executores dos atos antidemocráticos e incitadores. Dois outros grupos delineados no inquérito, de financiadores e de autoridades envolvidas na tentativa de golpe, não tiveram ainda julgamentos.