No sábado (28), a baiana Diely Maia, 34 anos, que morava e trabalhava em Jundiaí, interior de São Paulo, onde se formou em contabilidade, foi morta por traficantes dentro de um carro de aplicativo dirigido por Anderson Sales Pinheiro, 34 anos. O motorista seguiu a rota traçada pelo GPS e entrou na Favela do Fontela, em Vargem Pequena, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Traficantes do Comando Vermelho (CV), que dominam a área, abriram fogo contra o carro e mataram a turista e feriram o motorista, que foi medicado e passa bem. Diely visitava o Rio para assistir à queima de fogos de artifício na passagem do ano na praia de Copacabana. A realidade mostra que ela não será a última a morrer por entrar acidentalmente em áreas dominadas por traficantes ou milicianos cariocas. Semanalmente, os jornais trazem nas manchetes casos semelhantes. De turistas e de moradores das comunidades baleados por terem ficado no meio do fogo cruzado de bandidos e policiais. Só para citar um número, segundo o Instituto Fogo Cruzado, em 2024 foram vítimas de balas perdidas 26 crianças, sendo que quatro morreram. Há uma vastidão de números na internet sobre mortos e feridos em circunstâncias semelhantes. Citei o caso da turista baiana para lembrar que o problema da violência no Rio de Janeiro não é exclusivo dos seus moradores. Ele tem caráter nacional por dois motivos: o primeiro é que as favelas cariocas se tornaram esconderijo dos mais violentos e articulados chefes de quadrilha da América do Sul. E o segundo é que o Rio de Janeiro é o cartão-postal do Brasil, atraindo turistas de todas as partes do país e dos quatro cantos do mundo. Como é do conhecimento geral, o turismo é um dos ramos da economia que mais gera empregos e receitas. E a violência afasta os visitantes.
Sou repórter desde 1979 e já estive no Rio diversas vezes fazendo cobertura de crises na segurança pública. O remédio que tradicionalmente é usado para lidar com essas crises é a ocupação de pontos estratégicos da cidade pelas Forças Armadas. O remédio não tem funcionado. Basta a retirada dos soldados e a violência volta em dose dupla. A última grande ocupação da cidade pelos militares aconteceu em 2018, quando o general Walter Braga Netto recebeu carta branca, o comando das policiais Civil e Militar e muitos recursos financeiros (R$ 1,2 bilhão) para acabar com a violência. Fracassou. Conversei sobre o fracasso do general com um ex-secretário estadual da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Ele usou apenas uma palavra para definir o motivo do fracasso: “arrogância”. Inclusive, foi durante o período do general, na noite de 14 de março de 2018, que a vereadora do PSOL Marielle Franco, 38 anos, e o seu motorista Anderson Gomes, 39, foram mortos por rajadas de metralhadora no centro do Rio. O crime e a posterior prisão dos assassinos e mandantes foram manchete ao redor do mundo. O motivo principal da execução da vereadora foi a sua luta contra a grilagem de terras públicas. Traficantes, milicianos e outras organizações criminosas travam guerras sangrentas pelo domínio de territórios onde ganham dinheiro com a grilagem e a distribuição clandestina de serviços de internet, eletricidade, gás, transporte e segurança.
Também conversei com especialistas em segurança pública sobre o problema da violência no Rio. Perguntei o que falta tentar fazer para baixar a criminalidade a níveis aceitáveis. Considerei importante o que um deles me disse: que se reunir em uma sala o Grupo de Atuação Especializada (Gaeco), ligado ao Ministério Público Estadual, e os serviços de inteligência das polícias Federal (PF), Civil, Militar e das Forças Armadas é possível montar um dossiê de quem é quem nos bandos de criminosos que dominam a cidade. E desencadear uma ação de inteligência que os colocaria na cadeia. Argumentei que tal ação teria que reunir o prefeito da cidade, Eduardo Paes (PSB), 55 anos, o governador do Estado, Cláudio Castro (PL), 45, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79. Perguntei: “Quem faria a costura política para a conversa entre os três?” Ele respondeu: “Este é o xis do problema”. Não podemos nos esquecer que no atual momento político brasileiro a corrida pelas eleições presidenciais, para os governos estaduais e para os parlamentos, em 2026, já começou. Lembrei ao especialista que, na teoria, a troca de informações já existe. O que não existe é a determinação de como usá-las. A exemplo do que foi feito durante a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Naquelas ocasiões, havia a orientação dos governantes de usar este conhecimento. E ele foi usado: houve prisões de foragidos e foram desarticulados planos de assaltos. Costumo ler tudo que se publica a respeito de segurança pública no Brasil. E não lembro de ter lido alguma reportagem ou artigo cobrando uma posição da Frente Parlamentar de Segurança Pública, conhecida como Bancada da Bala, sobre a violência no Rio e a ação das quadrilhas de traficantes, milicianos e do CV.
A Bancada da Bala é formada por 240 deputados e 13 senadores. Que continuam batendo na tecla de que “bandido bom é bandido morto”. Costumo ficar atento às falas desses parlamentares. São ferrenhos defensores da indústria de armas e munições. Já nos assuntos de segurança pública raramente têm alguma coisa interessante a dizer. Quando assumiu o seu mandato presidencial, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, defendia a tese de que iria governar com as bancadas temáticas do Congresso e que, claro, a principal deles seria a Bancada da Bala. Nos primeiros meses de governo, mudou de ideia e começou a negociar com os partidos do Centrão. Já ajudaria muito se a imprensa ficasse mais atenta aos acontecimentos envolvendo as bancadas temáticas, especialmente à da Bala.