Os números atuais sobre os focos de incêndio no Brasil são grandiosos. Em setembro, já foram contabilizados 26 mil, número 77,4% superior ao do mesmo período em 2023. A fumaça se espalhou por 60% do vasto território nacional. Estamos vivendo o mais longo período de seca dos últimos anos, em certas regiões há mais de um ano não chove um pingo de água, lembram os técnicos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Quadro semelhante de catástrofes climáticas vem ocorrendo em outros cantos do planeta. Definitivamente, estamos vendo o cartão de apresentação do novo normal do clima, é a opinião de cientistas e autoridades mundiais. Não é por outro motivo que os assuntos relacionados ao clima estão nas manchetes dos jornais. No Brasil não é diferente. Mas, numa leitura minuciosa do que estamos publicando, noto que falta um personagem que considero fundamental nesta história: o representante do agronegócio. Se nada for feito para amenizar os efeitos do novo normal do clima, a vida dos produtores rurais vai se complicar muito e, em consequência, colocará em risco o abastecimento e a segurança alimentar de milhões de pessoas. Vamos conversar sobre o assunto.
Antes vou dar uma explicação que considero necessária. Repito-a sempre que tenho oportunidade, por entender que é assim que se faz as coisas mudarem nas redações. Nós jornalistas colaboramos para a fixação na opinião pública da imagem de agronegócio resumida apenas às grandes plantações de soja. Não é assim. O agronegócio brasileiro é composto de empresas agrícolas, produtores (pequenos, médios e grandes) e agroindústrias que geram milhares de empregos nas cidades do interior. Envolve toda a produção nacional de grãos, frutas, carnes (bovina, suína, aves e outras) e vários outros produtos agrícolas. É justamente este personagem que está faltando nas nossas reportagens. Vamos começar. Vou citar um exemplo. Nos anos 70, período da ditadura militar (1964 a 1985), milhares de gaúchos, além de seus descendentes que já haviam migrado para colonizar o oeste catarinense e paranaense, foram levados para instalar suas lavouras nas fronteiras agrícolas que estavam sendo abertas pelos militares nas regiões escassamente povoadas do Centro-Oeste e do Norte do Brasil, especialmente nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Amazonas. O governo federal temia que aquelas áreas fossem ocupadas por forças militares estrangeiras. Os agricultores ganhavam 200 hectares de terra e assumiam o compromisso de desmatar 50% da propriedade para dar lugar a lavouras ou pasto para o gado. Parte do dinheiro que financiou essa migração veio do Banco Mundial. Não é por outro motivo que os anos 70 e 80 foram a época em que o desmatamento mais avançou naquela região. No início dos anos 80, as novas fronteiras estavam fracassando por dois motivos simples: primeiro, porque não havia estradas para escoar as safras e, segundo, os preços dos produtos agropecuários não pagavam os custos da produção. Em consequência, muitos agricultores começaram a migrar para os garimpos e a exploração de madeira.
Nesta época, o preço da soja começou a explodir nos mercados internacionais, com reflexos no Rio Grande do Sul e no oeste catarinense e paranaense. Rapidamente, as lavouras da oleaginosa substituíram as roças de subsistência e causaram uma ampliação da economia daquelas regiões. Alguns pioneiros tentaram plantar soja também nas fronteiras agrícolas. Mas fracassaram, porque a semente não era adequada ao clima local. Porém, na metade de década de 80, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram uma semente de soja que pode ser cultivada em climas equatoriais. Isso viabilizou o plantio nas fronteiras agrícolas. Essa história não foi tirada da minha cabeça. Sempre viajei muito por aquela região fazendo reportagens e escrevendo livros, entre eles Brasil de Bombachas, que nas suas três edições (1995, 2011 e 2019) detalha tudo o que eu contei de maneira resumida. Os personagens que viveram o desbravamento do agronegócio precisam ser procurados pelos jornalistas e ouvidos sobre os acontecimentos climáticos atuais. Os cientistas estão prevendo que a agropecuária será duramente atingida pelas mudanças climáticas. O que os agricultores vão fazer? Os jornalistas precisam se convencer que os parlamentares da bancada ruralista do Congresso não representam a totalidade do que chamamos de agronegócio. Falam por um pequeno grupo. E nós precisamos bater à porta dos produtores para ouvi-los. Fiz essa recomendação em uma palestra e recebi como resposta que era impossível. Impossível não é. Antigamente, bater à porta de um produtor rural só era possível depois de longas viagens. Hoje, isso pode ser feito apertando uma tecla do celular. Graças à tecnologia, os rincões do Brasil não são mais lugares isolados. Lá existem redes sociais, telefones, internet e toda a parafernália da comunicação moderna. Além disso, os agropecuaristas têm sindicatos, associações e recebem serviços de empresas e governos. Ou seja, estão ao alcance dos repórteres.
Para arrematar a nossa conversa. O novo normal do clima vai exigir de todo mundo uma mudança na maneira de agir. Incluindo os jornalistas. Em uma situação dessas, é necessário ter certeza absoluta do que estamos falando para não causar problemas. Existe no nosso meio a cultura de entrevistar os representantes das categorias e generalizar o que essa fonte falou como se fosse a realidade. Sabemos que não é assim que funciona. No caso do agronegócio, as diferenças entre os produtores de soja e de carnes, por exemplo, são enormes. É necessário ter conhecimento dessas diferenças para calibrar a informação. Seja lá o que vai acontecer no futuro próximo, a única coisa que temos certeza é que a informação correta será fundamental para a sobrevivência.