Uma pessoa negra foi vítima de homicídio a cada 12 minutos no Brasil, do início de janeiro de 2012 até o fim de 2022. Foram 445.442 negras e negros assassinados nesse período, número que é mais de três vezes maior do que entre a população que não é negra.
Os dados são do Atlas da Violência 2024, publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta terça-feira (18). O levantamento considera negros a soma de pretos e pardos.
O estudo mostra que houve uma diminuição da taxa de homicídio de negros a partir de 2017, mas em 2022 essa população ainda correspondia a 76,5% de todos os homicídios no país. A taxa de homicídios era de 43,1 a cada 100 mil habitantes entre negros e foi a 29,7.
Já a taxa de homicídios de pessoas brancas, indígenas e amarelas, conforme a classificação do IBGE, teve patamar muito menor ao longo de todo esse período. Foi de 16,1 homicídios a cada 100 mil habitantes, em 2017, para 10,8, cinco anos depois.
Isso faz com que o risco de uma pessoa negra ser vítima de homicídio no Brasil seja 2,8 vezes maior, em média, em relação aos não negros. Essa probabilidade varia consideravelmente de acordo com a região.
Alagoas é o estado com o maior risco relativo de homicídio para negros. Lá, é 23,7 vezes mais provável que uma pessoa negra seja vítima de violência letal, em comparação a pessoas com outros tons de pele. Outros oito estados têm risco de morte violenta para negros acima da média nacional.
A cor da pele é uma das características preponderantes para a maior parte das vítimas de homicídio no país. A outra é a idade. O Atlas mostra que quase metade (49,2%) dos homicídios registrados em 2022 tem como vítimas pessoas de 15 a 29 anos. São 62 mortes violentas de jovens nessa faixa etária por dia no país, em média.
A pesquisa mostra que, apesar da queda na quantidade de homicídios no país -que ocorreu principalmente entre os anos de 2017 e 2019-, essa diminuição da violência também foi desigual.
"Embora as taxas de homicídios de jovens negros e jovens brancos tenham apresentado redução entre 2017 e 2021, o decréscimo foi mais intenso entre jovens brancos do que entre jovens negros, o que ampliou a desigualdade em temos de vulnerabilidade à violência letal", diz o documento, com base em outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A entidade também identificou que "a escolaridade é um aspecto protetivo relevante contra a violência letal, com efeitos distintos para jovens negros e jovens brancos, ponto que demonstra a incidência do racismo sobre o grupo de pessoas negras mediante um amplo conjunto de fatores".
Homicídios de indígenas se equiparou à taxa nacional
O Atlas identificou que, pela primeira vez em 11 anos, a taxa de homicídio de indígenas se equiparou à média brasileira. Essa comparação leva em conta o número de homicídios estimados no país, ou seja, tanto aqueles que foram registrados oficialmente quanto aqueles que o Atlas considera alta a probabilidade de serem assassinatos, apesar de aparecem nos registros oficiais como MVCIs (Mortes Violentas com Causas Indeterminadas).
Ao longo de todo o período analisado no estudo -2012 a 2022-, o patamar de homicídios contra pessoas indígenas esteve sempre acima da média nacional. A diferença começou a diminuir a partir de 2014.
O Atlas ressalta que isso ocorreu apesar de terem ocorrido picos de violência contra povos indígenas em alguns anos durante esse período. "De forma mais expressiva, o ano de 2013 e, recentemente, o ano de 2020 demonstraram um momento de inequívoco recrudescimento da violência letal experimentada pelos povos indígenas em território nacional, realidade essa que se manteve em níveis semelhantes nos anos seguintes (2014 e 2021, respectivamente)", diz o documento.
"O aumento verificado na taxa de homicídios registrados entre a população indígena durante o ano de 2020, por exemplo, foi três vezes maior em relação ao aumento verificado na taxa geral de homicídios no mesmo período, expondo a situação de maior vulnerabilidade que acomete os povos indígenas", completa.
A pesquisa considera que, só em 2022, o país teve 5.982 homicídios ocultos, ou seja, têm as mesmas características de assassinatos mas não foram registrados dessa forma.
VIOLÊNCIA CONTRA CUMUNIDADE LGBTQIA+ AUMENTOU 39%
Os casos de violência contra pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e outras categorias da comunidade LGBTQIA+ tiveram um salto de 39,4% entre os anos de 2021 e 2022, diz o estudo.
Para esse público, o Atlas não estimou as taxas de homicídios, ao contrário de outros segmentos retratados na pesquisas. O aumento de ocorrências envolve diferentes tipos de violência, como agressões, violência psicológica e tortura.
Ao todo, 8.028 pessoas com esse perfil foram vítimas de algum tipo de violência em todo o país em 2022. No ano anterior, foram 5.759 vítimas.
A maior parte das vítimas de violência entre o público LGBTQIA+ também é de pessoas negras (55%), seguidas de brancos (39,2%), amarelos (1,1%) e indígenas (0,7%). Mais de 6 em cada 10 vítimas concentram-se na faixa etária de 15 a 34 anos, e sobretudo dos 20 aos 29.
"Se é verdade que o aumento dos registros do Sinan [sistema do Ministério da Saúde] poderia ser explicado pelo espraiamento das redes de atendimento, poderia ser também atribuído a um aumento da violência e da vulnerabilidade contra essa população, ainda que não tenha resultado em aumento dos casos letais captados pela sociedade civil", diz o estudo.
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ESTÃO ENTRE AS MAIS VULNERÁVEIS
O Atlas da Violência considera, ainda, como "alarmantes" os dados sobre violência praticada contra pessoas com algum tipo de deficiência intelectual. No universo de pessoas com deficiência no Brasil, elas são as que sofrem agressões com maior frequência, e consideravelmente maiores em relação a públicos com outras deficiências.
A taxa de violência contra esse grupo é de 36,9 notificações por cada 10 mil indivíduos. Para aqueles com deficiência física, é de 12; para aqueles que têm deficiência auditiva, é de 3,8; e para os com deficiência visual é de 1,5 ocorrências a cada 10 mil pessoas.
"É importante ressaltar que as mulheres são as mais afetadas em todos os grupos de deficiência em comparação com os homens, sendo que as mulheres com deficiência intelectual enfrentam taxas que ultrapassam em mais que o dobro as dos homens na mesma condição, exceto no caso da deficiência visual, em que os valores são mais próximos", diz o documento.
A violência doméstica contra pessoas com deficiência representa o maior número de notificações, totalizando 8.302 registros em 2022. É mais do que o dobro dos registros classificados como "violência comunitária", praticada por amigos, conhecidos ou desconhecidos da vítima -nesse caso, foram 3.481 registros.
Além disso, o estudo mostra que jovens com algum tipo de deficiência que estão na faixa etária de 10 a 19 anos são aqueles com maior numero de notificações de violência, com destaque para casos de violência sexual.
"Temos a dependência de cuidadores, o isolamento social e a incapacidade de se defender fisicamente como fatores de risco, que aumentam a vulnerabilidade das pessoas com deficiência", disse Liliane Bernardes, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ipea. "E temos alguns desafios específicos, que os dados demonstraram, que são as pessoas com deficiência intelectual e transtornos mentais que enfrentam taxas alarmantes de violência, o que mostra a necessidade de políticas mais eficazes para esse público. "