Relatórios sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontam os supostos "articuladores dos atos intervencionistas" que contestaram, sem provas, o resultado das eleições e culminaram na invasão às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro. Os documentos, obtidos pelo GLOBO, indicam que por trás da escalada golpista está um grupo formado por produtores rurais e um núcleo de pessoas identificadas como "incitadoras" da depredação de prédios públicos no início deste ano.
Em um relatório intitulado "participação de lideranças do agronegócio em atos antidemocráticos e em ações de contestação do resultado eleitoral", a Abin detalha a atuação do Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), que reúne produtores rurais, na suposta articulação de atos antidemocráticos.
Segundo o documento 0005/2023 produzido pela agência de inteligência em 10 de janeiro, integrantes do MBVA “lideraram” bloqueios de caminhoneiros em novembro de 2022, em Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Roraima, com o objetivo de “contestar”, sem provas, a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições daquele ano. O grupo, segundo a Abin, tem à disposição “recursos econômicos para financiar transporte de manifestantes e ações extremistas, como as ocorridas no 8 de janeiro”.
O Movimento Brasil Verde e Amarelo surgiu em 2017, formado majoritariamente por grupos de produtores de soja do Centro-Oeste, e cresceu entre divergências com os demais segmentos do agronegócio pelo país, especialmente os mais voltados à exportação. Segundo a própria Abin, o MBVA não representa a maioria do setor, tendo papel secundário, e conta com o apoio da Associação Brasileira dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja) para articular atos. De acordo com a agência, o movimento tem como "general" Antonio Galvan, presidente da Aprosoja. O produtor rural foi alvo de um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente apoiar atos golpistas e já foi alvo de mandado de busca e apreensão, em 2021. Ao ser intimado para prestar depoimento à Polícia Federal, ele compareceu à sede da corporação em cima de um trator e cercado de manifestantes. No ano passado, Galvan foi candidato ao Senado em Mato Grosso pelo PTB, mas não se elegeu.
Em nota, a Aprosoja disse desconhecer o conteúdo do documento e afirmou que não organizou nem financiou nenhuma das ações antidemocráticas. Galvan não quis se manifestar. O relatório da Abin ainda cita outro "líder ideológico" do movimento, o advogado e produtor rural Jeferson da Rocha. Nas redes sociais, Rocha publicou um manifesto defendendo a anulação do segundo turno das eleições de 2022 e divulgou uma carta pregando colocar "freios" em membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas eleições passadas, ele concorreu a deputado federal pelo PROS, mas não conseguiu votos suficientes para se eleger. Procurado, Rocha negou ter participado de atos golpistas. — O STF é uma instituição pública de importância fundamental para a manutenção da democracia. Nós sempre repreendemos com veemência qualquer tipo de discurso a favor de ditadura e intervenção militar.
Incitadores
Em outro relatório, produzido em 17 de janeiro, a Abin identificou um grupo suspeito de ter estimulado as invasões e a depredação aos prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. O documento, intitulado "Segurança Institucional - intervenção federal /detenção não identificada até 26 janeiro", destaca a participação do reservista do Exército Marcelo Soares Correa, conhecido como cabo Correa, no ato golpista em 8 de janeiro. Segundo anotações dos agentes infiltrados, durante a caminhada em direção ao Congresso, cabo Correa disse que “o limite do pacífico acabou”. Na interpretação da agência, essa afirmação ecoou a percepção que havia entre os extremistas de que apenas a existência do acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, “não teria resultado” para provocar uma ruptura institucional defendida pelos golpistas.
O militar da reserva chegou a ser preso pela Polícia Federal após invadir , em 2016, o plenário da Câmara dos Deputados para pedir a "intervenção militar". Segundo a Abin, ele é um dos líderes dos “Boinas Vermelhas”, uma agremiação formada “por reservistas autônomos que compartilham informação política ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação às instituições e propensão à ação violenta”. Procurado por meio de telefones registrados em seu nome, ele não respondeu. Dois advogados eleitorais que atuaram no registro de sua candidatura a deputado federal pelo PMB no ano passado disseram que não tem notícias dele desde janeiro.
— Ele sumiu do mapa. Nunca mais ouvimos falar — disse o presidente do partido no Rio, Sidclei Bernardo.
A agência também cita Symon Albino, conhecido como Symon Patriota, e Ana Priscila Azevedo como os outros principais “incitadores” dos atos. Apontado como articulador de uma viagem que levou a Brasília extremistas de Campinas (SP), Symon gravou vídeos fazendo convocações antes de 8 de janeiro e pedindo para o povo se “preparar”. Em um deles, depois excluído, ele afirmou que a população não podia “aceitar que comunismo lixo tomasse posse”. Symon foi procurado por meio de um celular divulgado por ele no Instagram, mas não houve retorno. Ele também não respondeu as mensagens enviadas pela própria plataforma.
Já Ana Priscila foi alvo de uma operação da Polícia Federal e está presa preventivamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ela gravou vídeos dizendo que queria “colapsar o sistema” e “tomar o poder de assalto”. Líder de um grupo no Telegram com milhares de membros, Ana Priscila compartilhou registros nos ataques em Brasília no dia dos atos. Em uma das gravações ela aparece dentro do STF e no Congresso, diante de um cenário de destruição. O advogado Cláudio Avelar, que defende Ana Priscila, afirmou que ela está presa há mais de cinco meses “sem nenhuma denúncia”: — Independentemente do que vem sendo dito, não houve golpe e, portanto, não houve golpistas. Ela está sendo investigada porque seria uma incitadora. Ela tem um carisma próprio e, por isso, falava coisas, e as pessoas foram ouvindo.
Os nomes citados pela Abin
Antonio Galvan
O presidente da Aprosoja é apontado pela Abin como “general” do Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA). Ele foi alvo de um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente apoiar atos golpistas e de mandado de busca e apreensão, em 2021. Galvan não quis se manifestar. Antonio Galvan — Foto: Reprodução Jeferson da Rocha Relatório da agência cita o advogado e produtor rural como outro “líder ideológico” do MBVA. Nas redes sociais, ele publicou um manifesto defendendo a anulação do segundo turno das eleições de 2022 e divulgou carta pregando colocar “freios” em membros do STF. Rocha nega ter participado de atos golpistas.
Jeferson da Rocha
Relatório da agência cita o advogado e produtor rural como outro “líder ideológico” do MBVA. Nas redes sociais, ele publicou um manifesto defendendo a anulação do segundo turno das eleições de 2022 e divulgou carta pregando colocar “freios” em membros do STF. Rocha nega ter participado de atos golpistas.
Marcelo Soares Correa
A Abin destaca a participação do reservista do Exército no 8 de janeiro. Segundo agentes infiltrados, na caminhada rumo ao Congresso, cabo Correa disse que “o limite do pacífico acabou”. Ele seria um dos líderes dos “Boinas Vermelhas”, grupo com “discurso radical de deslegitimação às instituições”. Procurado, não respondeu.
Symon Albino
Conhecido como Symon Patriota, é apontado como um dos principais “incitadores” dos atos. Teria articulado uma viagem que levou a Brasília extremistas de Campinas (SP). Ele gravou vídeos fazendo convocações antes de 8 de janeiro e pedindo para o povo se “preparar”. Ele não retornou os contatos. Symon Albino — Foto: Reprodução Ana Priscila Azevedo Também citada como “incitadora”, está presa preventivamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ela gravou vídeos dizendo que queria “colapsar o sistema” e “tomar o poder de assalto”, e compartilhou no Telegram registros nos ataques em Brasília. Seu advogado negou as acusações.
Ana Priscila Azevedo
Também citada como “incitadora”, está presa preventivamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ela gravou vídeos dizendo que queria “colapsar o sistema” e “tomar o poder de assalto”, e compartilhou no Telegram registros nos ataques em Brasília. Seu advogado negou as acusações.