Chefe de Gabinete do vereador Carlos Bolsonaro desde 2018, Jorge Luiz Fernandes recebeu um total de R$ 2,014 milhões em créditos provenientes das contas de outros seis servidores nomeados pelo filho “zero dois” do ex-presidente Jair Bolsonaro. Levantada pela equipe do Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a movimentação financeira é a prova mais consistente, obtida pela 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada, na investigação sobre suspeita de rachadinha no gabinete de Carlos na Câmara Municipal.
O mesmo levantamento, autorizado pela Justiça fluminense, também demonstrou que Fernandes usou contas pessoais para pagar despesas do filho “zero dois”. A 3ª Promotoria quer saber agora, em pedido de investigações complementares ao Laboratório de Lavagem, se os pagamentos foram eventuais ou regulares. No caso da segunda situação, ficará provado que Carlos se beneficiou diretamente do desvio dos salários de seus servidores.
O laudo já produzido é suficiente para imputar o crime de peculato ao chefe de Gabinete. Obtido pelo GLOBO, o documento constatou que, entre 2009 e 2018, Fernandes recebeu créditos dos seguintes funcionários: Juciara da Conceição Raimundo (R$ 647 mil, em 219 lançamentos), Andrea Cristina da Cruz Martins (R$ 101 mil, em 11 lançamentos), Regina Célia Sobral Fernandes (R$ 814 mil, 304 lançamentos), Alexander Florindo Batista Júnior (R$ 212 mil, em 53 lançamentos), Thiago Medeiros da Silva (R$ 52 mil, em 18 lançamentos) e Norma Rosa Fernandes Freitas (R$ 185 mil, em 83 lançamentos).
Fernandes é casado com uma das depositantes, Regina Célia, e é cunhado de Carlos Alberto Sobral Franco, que foi lotado no gabinete de Jair Bolsonaro quando o ex-presidente era deputado federal. Visto por funcionários da Câmara como um segundo pai para Carlos, que frequenta a casa do chefe de Gabinete, Fernandes, também conhecido como Jorge Sapão, trabalha no gabinete do “zero dois” desde o primeiro mandato, em 2001.
O Laboratório de Lavagem investigou um total de 27 pessoas e cinco empresas ligadas a Carlos Bolsonaro. A investigação do MP-RJ sobre a prática de rachadinha foi iniciada com base em reportagem publicada pela revista “Época”, em junho de 2019, revelando que sete parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do ex-presidente e sua madrasta, foram empregados no gabinete de Carlos, mas não compareciam ao trabalho.
Os promotores apuram se os funcionários devolviam parte do seus salários ou o valor integral para o vereador, a chamada “rachadinha”. Quatro destes servidores, ouvidos pela “Época” em setembro de 2021, admitiram que não trabalhavam no gabinete de Carlos na Câmara do Rio, mesmo tendo sido nomeados e com os salários em dia.
Um dos principais alvos da investigação é a situação de Marta Valle — professora de educação infantil e cunhada de Ana Cristina Valle. Moradora de Juiz de Fora, em Minas Gerais, ela passou sete anos e quatro meses lotada no gabinete, entre novembro de 2001 e março de 2009. Procurada pela "Época", disse na ocasião que nunca trabalhou para Carlos: “Não fui eu, não. A família de meu marido, que é Valle, que trabalhou”.
O salário bruto de Marta era de R$ 9,6 mil, e, com os auxílios, chegava a R$ 17 mil. Segundo a Câmara de Vereadores, ela não teve crachá como assessora. De acordo com o laudo do Laboratório, Marta fez, entre junho de 2005 e março de 2009, um total de R$ 364 mil em saques com cartão logo após receber os seus proventos.
A investigação criminal não é a única frente aberta no MP-RJ para investigar Carlos. Na esfera cível, corre na 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital um procedimento para apurar eventual improbidade administrativa pelos mesmos motivos.