As emissões brasileiras de gases de efeito estufa cresceram 40% desde o ano em que o País decidiu tomar uma atitude para combatê-las. A “década perdida” da luta contra o aquecimento global no Brasil é tema do 10º relatório de análise das emissões brasileiras do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), divulgado nesta quinta-feira (23) pelo Observatório do Clima.
Em 2010, quando o País regulamentou a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), as emissões brutas de gases de efeito estufa eram de 1,7 bilhão de toneladas. Em 2021, ano da última estimativa do SEEG, eram 2,4 bilhões.
“Esses números indicam que, embora a PNMC tenha produzido inovações importantes no ordenamento legal brasileiro e criado instrumentos para mensuração de emissões e combate à mudança do clima, do ponto de vista da atmosfera, a década de 2010 foi perdida para o Brasil” afirma o documento.
Segundo o Observatório do Clima, o principal responsável pela situação é o desmatamento. O Brasil passou longe de cumprir a principal meta da PNMC: reduzir em 80% a taxa de destruição da Amazônia. Ao contrário, em 2022, o desmatamento foi quase três vezes maior do que os 3.925 km2 preconizados pela meta. Em 2021, as emissões brutas por desmatamento em todos os biomas brasileiros haviam atingido 1,19 bilhão de toneladas (Gt) de gás carbônico equivalente (CO2e). É mais do que o Japão emite em um ano. Em relação a 2010, as emissões por mudança de uso da terra cresceram 83% no Brasil.
As emissões líquidas, quando se desconta o carbono removido por florestas secundárias e por áreas protegidas, cresceram ainda mais: 55%, de 1,3 bilhão para 1,7 bilhão de toneladas. Para o Observatório do Clima, isso indica o descontrole do desmatamento e o aumento da devastação em unidades de conservação e terras indígenas, em especial nos últimos anos.
Embora o desmatamento seja o maior vilão, o relatório aponta que todos os setores da economia aumentaram suas emissões: a alta bruta foi de 31% em resíduos (principalmente lixo e esgoto); 13% em processos industriais e uso de produtos; 17% em energia e 12% em agropecuária entre 2010 e 2021.
No setor de energia, o período foi marcado por uma intensa “fossilização” da matriz elétrica com o aumento no número de usinas termelétricas fósseis, bem como o aumento do uso do diesel nos transportes. A alta nas emissões em 2021 foi a maior em 50 anos, e ao longo da década ela só não foi maior por causa da entrada maciça de fontes renováveis na matriz elétrica, principalmente eólica e solar, além do crescente uso de biocombustíveis na atividade de transporte. Para os autores do relatório, isso reflete a deficiência do plano setorial de energia da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que se limitava a seguir o que já estava planejado pelo governo no chamado Plano Decenal de Energia.
No caso da agropecuária, o que aumentou das emissões brutas foi causado tanto pelo crescimento do rebanho bovino quanto pelo consumo de fertilizantes. O Plano ABC, a política de redução de emissões do setor agrícola, porém, foi bem-sucedido: as tecnologias promovidas pelo plano e pelo programa homônimo do Ministério da Agricultura (que, no entanto, responde por menos de 2% do financiamento do Plano Safra há mais de uma década) ajudaram a aumentar o sequestro de carbono por solos bem manejados no Brasil. A análise do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostra que, atualmente, os solos agrícolas já sequestram duas vezes mais carbono do que emitem. Essas remoções, no entanto, não são computadas nos inventários oficiais de emissões.
Em 2021, o Brasil deveria ter iniciado o cumprimento de suas metas para 2025 e 2030 no âmbito do Acordo de Paris, adotado em 2015. A meta era de reduzir em 37% as emissões em 2025 em relação a 2005. No entanto, o governo de Jair Bolsonaro não apenas não elaborou um plano de cumprimento das metas como tornou-a mais fraca, por meio de um “truque contábil”: aumentou as emissões do ano-base sem ajustar os percentuais. A “pedalada” foi parar na Justiça e o Observatório do Clima recomendou ao novo governo que a desfizesse, no mínimo ajustando os percentuais para deixá-la com o mesmo grau de ambição da meta original.
Porém, como mostrou nesta semana o relatório-síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) da ONU, as metas de 2015 são insuficientes para estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC, objetivo que a humanidade precisa perseguir se quiser minimizar o caos climático. Neste sentido, ponderam os autores do relatório, o Brasil deve atualizar sua meta de redução de emissão de gases do efeito estufa, de modo a tornar ao menos a meta de 2030 compatível com o objetivo do acordo do clima. A manutenção de uma curva de emissões em alta mesmo após 11 anos da lei nacional não ajuda o necessário aumento de ambição.
“Desde que o SEEG começou a publicar as estimativas anuais das emissões há 10 anos, observamos uma trajetória ascendente, culminando no recorde em 2021. A expectativa para a próxima década é observar uma reversão, puxada pela redução e até a eliminação do desmatamento. Também esperamos acompanhar a diminuição da intensidade de emissões de todos os outros setores, que passarão a ter mais evidência”, afirma David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).