Fomos surpreendidos, no dia 14 de março, com a notícia de que o senador Izalci Lucas (PSDB/DF) apresentou um requerimento para a realização de uma audiência pública para tratar sobre o Decreto 10.502.
Para quem não sabe o Decreto 10.502, também conhecido como "decreto da exclusão", consente a segregação de alunos com deficiência. Um ato, claro, do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que em várias oportunidades dizia que “alunos com deficiência atrapalhavam a turma e nivelavam por baixo os demais.”
O "decreto da exclusão" ficou suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, e mesmo assim, foi utilizado como justificativa para que algumas escolas públicas e privadas, negassem a matrícula e outros direitos dos alunos com deficiência.
Mas no dia 01 de janeiro de 2023, assim que tomou posse, o presidente Lula fez um revogaço de decretos e o decreto 10.502 estava na lista. A revogação dele foi resultado de uma intensa mobilização social e de várias entidades e gestores que trabalham com a educação.
É importante dizer que o acesso à educação é um direito de todas as pessoas, previsto no Artigo 6 da Constituição Brasileira.
Além disso, o Estado brasileiro assumiu compromisso de assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis bem como o aprendizado, através da Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Na Educação Inclusiva não se almeja a separação de sujeitos, muito pelo contrário, entende-se que todas as pessoas têm possibilidades de acessar e participar de um modelo de educação através não só da convivência cotidiana, mas garantindo suporte necessário para aqueles que precisem com o apoio ao atendimento educacional especializado como também recursos e tecnologias capazes de potencializar o ensino e a aprendizagem, atendendo assim as diversas singularidades de cada aluno.
Veja bem, estamos falando não só de pessoas com deficiência, mas todo aquele que apresente especificidades e dificuldades.
Entretanto, o Decreto 10.502 viola direitos humanos das pessoas com deficiência assegurados constitucionalmente e indo na contramão da inclusão com a velha justificativa de incluir “alunos especiais” em “ambientes especializados” e dar autonomia para mães e pais de alunos com deficiência em decidirem sobre aquilo que pensam ser melhor para os filhos, inclusive a educação.
Claro que o que temos hoje nas escolas regulares ainda não contempla todos os alunos e ainda é preciso ter o suporte das escolas especiais. Porém, a escola especial não pode ser a única opção para alunos com deficiência. E se a revogação do decreto for sustada e ele voltar a ter validade, é isso que irá acontecer: o remanejamento quase que obrigatório dos alunos com deficiência para um único espaço escolar, as instituições especializadas.
A justificativa do senador Izalci Lucas é de que abrir a discussão novamente vai trazer ao debate o lema “nada sobre nós sem nós.” Mas é justamente por esse lema que trazer a tona novamente este Decreto é segregar e excluir as pessoas com deficiência das escolas.
Deveríamos debater sobre uma nova política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, rever conceitos e práticas pedagógicas, investir na formação de professores e gestores, definir de forma clara o papel do mediador e profissional de apoio, verificar a destinação da verba do FUNDEB, investir na construção de escolas para diminuir a quantidade de alunos por sala. E a lista é bem grande.
Mas não, estamos voltando à um debate que já foi extensamente e exaustivamente colocado em pauta e a conclusão que se chegou foi de que o Decreto 10.502 é inconstitucional porque ele fere o direito do acesso à educação e ao ambiente escolar não só do aluno com deficiência, como também de toda a comunidade escolar já que estamos falando do convívio com as diferenças e da diversidade.
E a pergunta que fica é: a quem interessa o Decreto 10.502? Quem ganha e se beneficia com ele?
Sigamos atentas e atentos porque não vamos tolerar retrocessos e perda de direitos. A educação não pode continuar sendo atacada e desmontada.
O direito à educação e o acesso a escola para todos não é negociável.
*Andréa Medrado é mãe e ativista pelos Direitos das Pessoas com Deficiência (PcD) e doenças raras, membra da Pitt-Hopkins Brasil.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
Fonte: BdF Distrito Federal