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Chefe de operações do Ibama defende bloqueio de internet usada por garimpeiros ilegais

Hugo Loss promete retomada da terra Yanomami e diz não haver estimativas confiáveis de quantos garimpeiros já fugiram

Publicada em 01/03/2023 às 08:47h

Brasil de Fato


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Marina
cresol

Chefe de operações do Ibama defende bloqueio de internet usada por garimpeiros ilegais

O responsável pela expulsão dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Hugo Loss, defendeu a restrição do fornecimento de internet via satélite para atividades ilegais na Amazônia, a exemplo de outros produtos controlados, como combustível de aviação e motosserras. 

"A maior parte dos pagamentos na área Yanomami ocorre em ouro, mas outra parte ocorre em pix. A troca de informações sobre operações - o que está acontecendo, onde estão as equipes de fiscalização - ocorrem na internet de forma livre o tempo todo", afirmou em entrevista exclusiva.

Conforme revelou o Brasil de Fato, compradores de ouro ilegal revendem internet aos garimpeiros ilegais de Roraima, que se multiplicaram ao ponto de provocarem uma crise humanitária na região. Os serviços anunciados em grupos de WhatsApp do garimpo são da Starlink, do bilionário Elon Musk, e da Viasat, também norte-americana. 

Servidor de carreira do Ibama, Loss detalhou a estratégia do órgão ambiental para expulsar os garimpeiros. E relatou que as operações feitas sob a gestão Bolsonaro foram propositalmente ineficazes, para dar a impressão de que estava combatendo a atividade ilegal, sem resultados concretos. 

"A diferença é que agora o Ibama vai manter as equipes fixas e retomar o território", garantiu.

O coordenador de operações do Ibama disse que não é possível saber quantos garimpeiros já deixaram a área. E avaliou que nesse momento visitas não autorizadas à Terra Indígena - como a do senador Chico Rodrigues (PSB-RR), visto como aliado do garimpo - podem prejudicar a expulsão dos invasores. 

Confira na íntegra a seguir a primeira parte da entrevista. A segunda será publicada nesta quinta-feira (2) no site do Brasil de Fato

Brasil de Fato: Quantos garimpeiros já fugiram da Terra Indígena Yanomami? O Ministério Público Federal de Roraima estima 20 mil invasores no território. O Ibama sabe quantos ainda estão lá? 

Hugo Loss: É muito difícil fazer uma estimativa porque existem inúmeras formas de os garimpeiros saírem do local. Não existe um censo de invasores. Nunca foi feito um levantamento realmente científico e com metodologia clara sobre a quantidade de garimpeiros. O que há são estimativas. Uns falam em 20 mil, outros em 15 mil, outros em 50 mil. Enfim, são números que as pessoas chutam. Não tem como saber a quantidade de garimpeiros efetivamente no local, assim como também não tem como saber quantos já saíram.

Qual é a estratégia do Ibama para expulsar os invasores e quando a terra Yanomami estará livre dos garimpeiros?

O Ibama vai manter as equipes fixas na Terra Indígena Yanomami durante um longo período de tempo, como estratégia de retomada do território. A estratégia principal tem duas linhas de atuação. A primeira é o estrangulamento das linhas de suprimento e das principais rotas comerciais que eles utilizam. A segunda é o ataque efetivo às frentes de expansão dos garimpos, onde eles estão instalados. Na terra Yanomami existe uma dificuldade logística muito grande para acessar as áreas de garimpo. Boa parte do acesso é feito pelo modal fluvial ao longo dos rios Uraricoera e Mucajaí, principalmente. 

Outra parte da logística é feita mediante o emprego de meios aéreos, com aeronaves de asa fixa e de asa rotativa: helicópteros e aviões. Temos um mapeamento de diversas pistas de pouso que são utilizadas entre as cidades de Boa Vista e a Terra Indígena Yanomami. Existe uma grande concentração de pistas de pouso nesses locais, principalmente na região de Alto Alegre e Campos Novos. 

É justamente naqueles locais onde os garimpeiros conseguem conciliar de forma mais eficiente, sob o ponto de vista econômico, os modais terrestre e aéreo. Eles conseguem fazer o transporte dos suprimentos e dos equipamentos de caminhonete ou de caminhão até essas pistas de pouso, que levam todo esse material para o garimpo e também transportam de volta por essa mesma rota. Existe essa concentração maior ali por uma questão de economicidade deles. Temos esse mapeamento e são pistas que sempre estamos monitorando e executando incursões.

Existe uma outra linha de fiscalização que é a do fornecimento de combustíveis de aviação. O Ibama realizou a suspensão das principais distribuidoras de combustível de aviação em que constatou-se o fornecimento de combustível para o garimpo. Existem normas da ANP [Agência Nacional do Petróleo] que regulamentam quem pode vender o combustível de aviação, porque ele é um produto controlado. É necessário que seja um produto controlado para garantir que as aeronaves recebam um combustível de boa qualidade. Então, se não seguir essas normas, o fornecimento de combustível não será permitido.

Assim como no caso dos combustíveis, é possível restringir o acesso à internet de garimpeiros ilegais? Eles se conectam pelos satélites de companhias norte-americanas, como a do bilionário Elon Musk, conforme revelamos no Brasil de Fato…

Essa é uma medida essencial, a questão da internet. A facilidade da expansão da internet está muito ligada ao aumento do garimpo. Não que uma coisa cause a outra, mas ela auxilia bastante o aumento do garimpo. Então a internet tem que ser regulada nesses territórios. A gente percebe que existe o fornecimento de pontos de internet dentro de terras indígenas, de uma forma livre, sem nenhum tipo de controle. A comunicação dos garimpeiros, que antes era feita via rádio ou de formas muito precárias, hoje é feita pela internet.

Então alguém que esteja gerenciando o garimpo consegue gerenciar de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Brasília, de grandes capitais, sem nem pisar no garimpo. Consegue obter informações sobre tudo o que está acontecendo lá.

Hoje a maior parte dos pagamentos na Terra Indígena Yanomami ocorre em ouro, mas outra parte ocorre em pix. Tem um número do pix que está colocado lá nas corrutelas [centros de serviço em áreas de garimpo] e nas cantinas. O garimpeiro faz o pagamento ali na hora. A troca de informações sobre operações - o que está acontecendo, onde estão as equipes de fiscalização - ocorrem na internet de forma livre o tempo todo.

Eu acredito que existe um vácuo regulatório em várias atividades que são essenciais para o garimpo. Por exemplo, o comércio de escavadeiras hidráulicas e máquinas agrícolas de grande porte, como retroescavadeiras e tratores de esteira. E também [deve haver regulação] de motores de barco, dependendo da potência desses motores. Não existe qualquer tipo de cadastro ou controle da comercialização desses produtos, principalmente dentro das áreas da Amazônia, onde são utilizados em grande medida para executar o crime ambiental. 

O maior controle das escavadeiras hidráulicas, dos motores e de outros equipamentos, como os tratores de esteira, é essencial para o controle da atividade criminosa do garimpo e do desmatamento. 

É possível barrar a internet do garimpeiro, mas não a do indígena? Digo isso porque estão todos no mesmo espaço. A internet do Elon Musk, por exemplo, chegou primeiro aos garimpeiros, mas recentemente foi instalada em uma comunidade Yanomami em Surucucu…

Eu acredito que é possível. É claro que existem garimpos instalados dentro de aldeias, mas na área Yanomami isso não é uma coisa tão comum. A maior parte dos grandes garimpos estão fora das aldeias. Então seria possível separar a internet da aldeia da internet do garimpo. Daria para fazer essa separação e cortar os sinais de internet principais.

Mas essa é uma questão que foge da alçada ambiental. É uma questão de segurança da informação Há outros órgãos que deveriam fazer uma regulação da internet, talvez a Anatel. Não em terras indígenas, mas também em áreas de unidades de conservação, onde há uma grande exploração minerária ou de madeira. 

Além do combustível, há outros exemplos de produtos com utilização restrita na Amazônia?

Hoje existe um controle, por exemplo, de motosserras, que é feito pelo Ibama. Esse controle de motosseras tem previsão legal, mas uma escavadeira hidráulica, por exemplo, não tem controle nenhum. Então no Brasil se controla a motossera, mas não se controla a escavadeira. Para comprar um carro ou uma moto, é preciso ter uma placa, e a placa é registrada no CPF da pessoa que comprou aquele veículo. Mas não existe o controle da escavadeira hidráulica dessa forma, nenhum tipo de controle. Esses equipamentos estão circulando por aí sem nenhuma regulação. 

A entrada na terra Yanomami de uma autoridade que apoia os garimpos ilegais, como fez o senador Chico Rodrigues (PSB-RR) neste mês, prejudica as operações de fiscalização ambiental? Pode mandar um sinal de tolerância aos garimpeiros?

Sem entrar no mérito de quem entrou, porque não o conheço, dentro de um contexto operacional, a entrada de qualquer pessoa na Terra Indígena deve estar sempre inserida dentro do contexto da operação. Tudo deve ser contextualizado ali dentro para evitar ruído e para não gerar, como você disse, mensagens trocadas do Estado aos invasores.

Existe toda uma estrutura de Estado montada para retirada de invasores do território. Mas outra parte do próprio Estado vem com outra proposta. Então o garimpeiro que está lá não entende o que está acontecendo. Do ponto de vista do garimpeiro, o governo é um só. E aí esse governo está mandando tirar, depois mandando entrar… Então gera uma confusão. Todas as entradas e saídas da terra indígena devem ser muito bem contextualizadas. 

Mas não significa que não deva haver sempre o diálogo. Uma pessoa que tenha boa interlocução com os garimpeiros pode, às vezes, ser interessante para conseguir acessar e enviar informações verdadeiras que ajudem no processo de saída deles. Pode ser algo interessante dentro do contexto da operação. Contanto que seja profissional e tenha um alinhamento prévio com as pessoas que estão conduzindo a operação, é possível ter uma boa atuação.

As operações do Ibama na terra Yanomami foram "propositalmente ineficazes" até este ano, segundo o procurador Alisson Madrigal do MPF-RR. A intenção do governo Bolsonaro era dar a impressão de estar combatendo o garimpo, sem de fato fazê-lo?

Sim, eram ações que não seguiam as orientações técnicas do Ibama registradas em documentos. Não seguiam uma lógica operacional já identificada, que seria manter as equipes durante um longo tempo no território, com estratégia de promover o estrangulamento logístico das principais linhas de suprimento do garimpo. Então eram ações que de fato conseguiam ter um resultado significativo no primeiro momento, no que concerne à apreensão e destruição de equipamentos, mas não eram eficientes para conseguir conter o avanço do garimpo. 

Na Terra Indígena Yanomami, o Ibama vem desenvolvendo operações desde 2021 e 2022, tendo resultados significativos com relação à apreensão de equipamentos e a inutilização deles. Até o momento, foram 32 aeronaves de garimpo destruídas desde 2021. Mas essas ações não tiveram o resultado esperado para a redução dos alertas de garimpo na Terra Indígena, porque se tratavam de ações pontuais com curto tempo de duração que iniciavam em um momento e acabavam rapidamente. O Ibama realizava as operações com tempo mais curto, e demorava um tempo para retornar, então não eram ações de longa duração. A diferença agora é que agora o Ibama vai manter as equipes fixas e retomar o território. 

Eu acredito até que um dos melhores indicadores para medir a eficiência de uma operação de fiscalização não é o quantitativo de bens apreendidos ou a quantidade de autos de infração lavrados, mas sim o efetivo controle da atividade garimpeira, a partir da análise dos alertas de garimpo, da evasão dos garimpeiros do local e do aumento da qualidade ambiental, que pode ser aferida por meio da qualidade da água. Esses são indicadores que de fato ilustram a efetividade de uma operação.




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