Garimpeiros em fuga do território Yanomami em Roraima começaram a migrar para a parte amazonense da Terra Indígena, próxima do Pico da Neblina, segundo denunciaram lideranças indígenas. No entorno da montanha mais alta do Brasil, a mineração ilegal não é tão intensa, em comparação com a porção roraimense do território.
A nova área escolhida pelos invasores abriga 3 mil indígenas Yanomami e também um pelotão do Exército na fronteira com a Venezuela.
Na denúncia, organizações indígenas relatam que um líder local foi ameaçado de morte por um garimpeiro fugido de Roraima. A carta foi enviada a autoridades federais por três organizações indígenas no dia 9 de fevereiro e motivou a instauração de um procedimento pelo Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM).
Segundo o comunicado das associações Yanomami, houve “aumento da presença de garimpeiros na região do Pico da Neblina nas últimas semanas” na região chamada de Maturacá, além de “chegada de maquinário para garimpo”.
Os Yanomami do Amazonas temem a "migração dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami para outras que não estão sob fiscalização, a exemplo do território de Maturacá”, escreveram as entidades.
Pico da Neblina é porta de entrada para garimpos na Venezuela
O Pico da Neblina – chamado de Yaripo pelos Yanomami – está a cerca de 400 quilômetros em linha reta do epicentro do garimpo ilegal em Roraima. A montanha atrai turistas do Brasil e do mundo e se transformou em fonte de renda para indígenas Yanomami, que guiam visitantes em busca do ecoturismo.
“De longa data é conhecido por parte dos Yanomami o movimento de pequenos garimpos manuais na região, sendo também a área do Pico da Neblina um dos locais de acesso para outros garimpos na Venezuela”, prossegue a denúncia.
Caso seja ignorada, a migração de garimpeiros ilegais pode levar aos Yanomami do Amazonas todas as mazelas enfrentadas pelos indígenas roraimenses: aumento da fome, envenenamento dos rios, desnutrição, epidemias de doenças tratáveis, conflitos e violência sexual.
A denúncia formal partiu dos presidentes da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), José Mario Pereira Góes, e da Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Erica Vilela Figueiredo, entidades que representam comunidades Yanomami do rio Cauaburis. A carta é assinada também por Marivelton Baré, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
A denúncia foi encaminhada para quatro autoridades: a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, além do chefe do Parque Nacional Pico da Neblina, Aécio Santos e do procurador do MPF-AM, Fernando Merloto Soave.
Liderança foi ameaçada de morte por garimpeiro, dizem líderes indígenas
No último dia 3 de fevereiro, um garimpeiro teria chegado baleado ao polo de saúde (unidades de saúde instaladas nos territórios) Comunidade Yanomami de Ariabu, próxima Pico da Neblina. Segundo a denúncia das organizações indígenas, o ferimento teria ocorrido em um conflito dentro do garimpo.
“Não recebendo apoio das lideranças locais para a solicitação de remoção do paciente, o secretário da AYRCA, Sr. Vilmar da Silva Matos, recebeu ameaças de vida por parte do acompanhante do paciente”, narra a denúncia das entidades Yanomami.
Junto com a carta, as associações Yanomami forneceram um documento do distrito de saúde indígena que registra o atendimento de um paciente ferido por arma de fogo. O nome do garimpeiro também foi informado às autoridades.
“Dessa forma, solicitamos que as denúncias de invasão garimpeira na área do Pico da Neblina sejam apuradas com a máxima urgência, considerando a segurança das comunidades Yanomami da região com uma população de mais de 3 mil pessoas”, pede os líderes indígenas.
A procuradora do MPF-AM, Lígia Cireno Teobaldo, deu à Funai prazo até 20 de fevereiro para informar quais providências serão adotadas para impedir o fluxo migratório de garimpeiros ilegais para a região, com o objetivo de impedir a degradação ambiental e assegurar a integridade do território indígena.
Especialistas defendem ações para além da terra Yanomami
A invasão de terras adjacentes por garimpeiros em fuga era prevista por especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Eles defenderam um plano de proteção integrado para combater os 20 mil garimpeiros proibidos de atuar na área Yanomami.
“Se não houver um plano do governo federal com respostas rápidas, assistiremos a uma invasão rápida dessas terras”, diz a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana Batista.
O discurso é engrossado pelo ex-presidente da Sydney Possuelo, que comandou a expulsão de 40 mil garimpeiros na área Yanomami na década de 90. Ele defende o aumento na segurança das terras Kayapó e Munduruku, no Pará, que já enfrentam problemas grave de saúde pública em função do garimpo.
“Não se pode esperar que a situação piore. Temos que cobrar ações imediatas da Funai e das outras autoridades”, afirmou Possuelo.
Prioridade é expulsão dos garimpeiros, diz MPI
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que considera genuína a preocupação dos povos do entorno das áreas de garimpo e reconhece a necessidade de fiscalização e inclusão destes territórios no plano de desintrusão.
"Porém, neste momento, diante da grave crise humanitária e sanitária enfrentada pelo povo Yanomami e, a partir da capacidade ainda limitada de recursos, a prioridade segue sendo o esvaziamento e o combate dos garimpos dentro do território indígena Yanomami", diz o comunicado do MPI.
"Assim, caso sejam identificadas e comprovadas migrações de grupos para atividades ilegais de garimpo e invasões a outros territórios indígenas, o Ministério dos Povos Indígenas irá imediatamente acionar as forças policiais para identificação e prisão dos criminosos", promete a pasta chefiada por Sonia Guajajara.
Procurada, a Funai não respondeu à reportagem.