O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que reestrutura a política de controle de armas foi bem recebido por duas renomadas entidades que pesquisam segurança pública no Brasil. Em nota conjunta, o Instituto Sou da Paz e o Instituto Igarapé celebraram o fato do novo governo ter escolhido o tema como um dos atos inaugurais da gestão.
O decreto nº 11.366 foi assinado neste domingo (1º), logo após a posse de Lula. A medida reduz o acesso às armas e munições e suspende o registro de novas armas de uso restrito de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). O decreto também suspende as autorizações de novos clubes de tiro até a edição de nova regulamentação e volta a condicionar a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade – atualmente, bastava uma simples declaração.
Entre as restrições estabelecidas estão ainda a proibição do transporte de arma municiada por parte dos CACs, a prática de tiro desportivo por menores de 18 anos e a redução de seis para três a quantidade de armas para o cidadão comum, entre outras. Fica também determinado o recadastramento no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, de todas as armas adquiridas a partir da edição do decreto n° 9.785, de 2019. O prazo para o recadastramento é de 60 dias.
“Após quatro anos de caos normativo, descontrole na circulação e no comércio de armas e munições e de incentivo por parte de altas autoridades da República ao armamento da população, é com entusiasmo que vemos o novo governo federal pautar suas ações tendo como norte a segurança e o bem-estar da população brasileira”, dizem os dois institutos.
O decreto ainda cria um grupo de trabalho que terá 60 dias para apresentar uma proposta de nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento. A medida também é elogiada pelas entidades, para quem o ato é apenas o primeiro passo para garantir a segurança e paz da população brasileira. “Seu caráter inaugural se reveste de grande simbolismo na esperança de que o governo que começa possa enfrentar os muitos desafios existentes, seja no controle de armas e munições, seja nas políticas de segurança pública que o Brasil necessita com urgência”, comenta a nota.
Sinal importante
Pesquisadora do Instituto Sou da Paz, Beatriz Graeff vê com bastante otimismo a publicação do decreto logo no primeiro dia de governo. Ela considera a medida uma importante sinalização da centralidade do tema na nova gestão, considerando que os efeitos da política de facilitação e estímulo à circulação de armas são preocupantes no médio e no longo prazo.
“O decreto tem o objetivo de estancar a corrida armamentista que a gente viu acontecer nos últimos anos. Então ele faz essa pausa e restabelece alguma regras importantes”, afirma.
Beatriz enfatiza que o porte com armas carregadas pelos CAC era, na prática, um porte disfarçado criado pelo governo Bolsonaro e que possibilitava haver um número muito grande de pessoas com armas sem nenhum tipo de controle e fiscalização. A partir de agora, os deslocamentos entre suas casas e os locais de prática de tiro ou de caça voltam a ser feitos com a arma desmuniciada e com guia de trânsito.
“É muito positivo começar dessa maneira. E é positivo também a criação desse grupo de trabalho para que essas medidas possam ser aprofundadas, para não apenas estancar a facilitação do acesso à arma que ocorreu nos últimos anos, mas para fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização para que, de fato, a gente tenha uma política de controle responsável de armas no País”, analisa, citando pesquisas que indicam que mais de 70% dos homicídios cometidos no Brasil são praticados com armas de fogo. “A gente sabe que reduzir e controlar a circulação de arma de fogo é um fator que promove segurança”, enfatiza.
Beatriz acredita que o grupo de trabalho instituído pelo novo governo tem o desafio de fortalecer a estrutura de controle e fiscalização, aumentar as atribuições da Polícia Federal no controle dos bancos de dados e registro de armas para que essa informação possa fortalecer as investigações e o combate ao crime organizado, que nos últimos anos se beneficiou da flexibilização nas regras de aquisição de armas. “A gente viu muitos casos de armas legais migrando para o crime organizado.”
A pesquisadora ainda pondera que a violência letal não atinge a população de maneira igualitária e que há grupos que são mais atingidos. Nos últimos anos, houve crescimento de feminicídios, além dos homicídios que afetam de maneira desproporcional o jovem negro nas periferias do País. Por isso, ela sustenta, equacionar a questão do controle de armas impacta diretamente na população mais vulnerável.
Os destaques do novo decreto são: