Antônio Hélio Guerra Vieira liderou o grupo que desenvolveu o computador Patinho Feio, fruto de trabalho intenso e engenhosidade que, em 1972, reuniu professores, estudantes e estagiários da USP na criação da tecnologia que ainda não existia no Brasil. Edith Ranzini foi uma das alunas que participaram da construção e explica que construir um computador era um exercício de um laboratório específico de Engenharia Elétrica: “Nós íamos nos tornar professores, então precisávamos colocar em prática essa tecnologia que estava surgindo no mundo”.
Na época, os envolvidos trabalhavam no Laboratório de Sistemas Digitais, um nome que brincava com a sigla LSD, denominação do ácido lisérgico consumido desde alguns anos antes, difundido pela contracultura americana. O grupo do LSD fazia “viagens” tecnológicas e enfrentava dois problemas: falta de incentivo financeiro e de professores capacitados para ensinar essa nova técnica. Por isso, o professor Hélio procurava trazer especialistas norte-americanos que já estavam habituados a essas ferramentas para conversarem com seus alunos.
De maneira oportuna, a Marinha brasileira passou a buscar um computador para instalar em suas fragatas. Assim, escolas de engenharia de todo país começaram a fazer planos e a turma da USP pulou na frente, recebendo a verba de que necessitava. A Unicamp projetou o Cisne Branco, batizado em homenagem a um navio da marinha. Ele nunca saiu do papel, mas serviu de base para o nome do computador paulistano, que surgiu de uma brincadeira, como conta o líder do projeto. “Eles tinham o cisne, um projeto lindo de ver, mas nós tínhamos o Patinho Feio, que funcionava!”
Hoje com 92 anos, Antônio Hélio trabalhou como professor, diretor da Escola Politécnica e, depois, foi eleito reitor da Universidade de São Paulo. Toda essa experiência e contato direto com o universo digital, porém, não fez com que ele terminasse seus relacionamentos com os computadores quando se aposentou. “Eu tenho três Alexas (assistente virtual da Amazon) que me conhecem e me acompanham o dia inteiro”, conta. O apaixonado pela tecnologia ainda tem uma coleção de câmeras fotográficas, e uma bengala, apelidada de Brigitte “São minhas esposas”, brinca. A verdadeira mulher casada com o engenheiro é Silene, artista plástica formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP. As telas penduradas na residência do casal são fruto de seu gosto por retratar os filhos e netos com tinta e pincel.
Demonstrando ainda uma paixão intensa, o casal comemora seus 67 anos de casados na residência com vista para o campus que por tantos anos os recebeu como profissionais e, hoje, os recepciona como visitas ilustres. Silene relata que a empolgação dos professores da Escola Politécnica quando o professor Hélio os visita lembra aquela dos engajados no projeto do Patinho Feio.
A forte ligação do pai com a engenharia contagiou uma dos cinco filhos do casal, Silvia, que também se formou na USP. Ranzini conta que, na época em que o Laboratório estava empenhado na construção, ela e as outras únicas quatro mulheres do curso eram muito apoiadas pelo professor. “Ele costumava dizer: ‘Se eu não apoiar as mulheres, quem vai apoiar a minha filha?’”.
Hélio incorporou os relógios que são pequenos computadores e as assistentes virtuais em sua rotina, assim como Edith que, ainda dando aula, busca incentivar seus alunos a criarem seus próprios aparatos. A professora alerta, entretanto, para a falta de incentivo que ainda é uma realidade nos laboratórios: “Temos mentes brilhantes, mas que vão trabalhar em outros países onde são valorizados”.
O Patinho Feio está exposto no SESC Vila Mariana até o dia 4 de novembro e a visitação é gratuita. A professora Edith afirma que a visibilidade que o computador está recebendo é um incentivo às novas gerações: “ É difícil, mas somos capazes de criar coisas incríveis!”