Linha auxiliar do presidente Jair Bolsonaro (PL) em Orlando, nos EUA, onde vive com sua família, o pastor André Valadão publicou um vídeo em suas redes sociais simulando uma retratação pública por acusações feitas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No início do vídeo, ele afirma que a retratação teria sido ordenada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O Tribunal, no entanto, negou que tenha intimado Valadão a realizar a retratação.
Valadão, que é herdeiro do fundador da igreja Lagoinha, disse que a intimação teria sido assinada por Alexandre de Moraes. Em nota, a corte desmentiu o religioso e informou que apenas determinou que o pastor apresentasse sua defesa, em processo movido pela campanha de Lula.
Na ação, o petista pede direito de resposta a acusações falsas que o pastor faz, diariamente, em suas redes sociais. "Como se vê, por meio de tais falas, o representado tentou induzir o público em geral e os eleitores à falsa ideia de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva seria uma pessoa desqualificada moralmente, que defende o aborto, o uso de drogas, a prática de delitos e, não bastasse, difunde novamente a falsa narrativa de que o ex-presidente Lula irá censurar a liberdade de expressão."
O pastor gasta horas em suas redes sociais fazendo afirmações contra Lula que já foram desmentidas e que são, comprovadamente, informações falsas, como dizer que o petista vai censurar a mídia, que tem aliança com facções criminosas, vai difundir a "ideologia de gênero" ou que é a favor do furto de celulares.
A fim de disseminar a ideia de que Lula orquestrará a produção de um estado de exceção no país, Valadão produziu o vídeo em tom vitimista e com uma mensagem dúbia, que insinua ataques ao petista e coopera para a narrativa de que bolsonaristas seriam perseguidos pelo TSE.
Mentira sobre o TSE
"Dias atrás, recebi em minha residência uma intimação do TSE, através do senhor Alexandre de Moraes. Venho me declarar, a partir desta intimação, dizendo que Lula não é a favor do aborto (...) Lula não é a favor, literalmente, de colocar uma regulação na mídia onde você vai perder o poder de expressar sua opinião, expressar o seu culto. É isso. Deus abençoe o Brasil", disse Valadão no vídeo.
Com atuação melodramática do pastor e apoio de trilha sonora, o vídeo já foi assistido por um milhão de pessoas e gerou uma resposta do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do candidato do PL à reeleição.
"Os humilhados serão exaltados. A cada censura, um tiro no pé. Todos sabem que não foi o senhor que escreveu esse absurdo e todos sabem quem é o ladrão. Estamos calçados com sapatos que nos permitem pisar em escorpiões e cobras, nada peçonhento nos atingirá. Amém", afirma o filho do presidente, provavelmente sem entender que o vídeo é uma farsa.
Na tarde desta quinta-feira (20), o Instagram passou a classificar o vídeo de Valadão como informação falsa.
Para Tatiana Berringer, cientista política e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), ao apelar para a teatralização do vitimismo e disseminação do medo, Valadão se torna sócio do neofascismo no Brasil.
"Se analisarmos o neofascismo, veremos características nele do que acontece agora. Os neofascistas precisam construir um inimigo público. Esse inimigo, precisa ter traços que reforcem sua perseguição, então eles dizem que o Lula é contra os valores cristãos, que ele ataca a família, enfim", explica Berringer.
Atitude desonesta
Eleito deputado federal, o pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), lamentou a publicação do vídeo de Valadão. "Espero que as pessoas entendam que essa é uma atitude desonesta. Sendo pastor, espera-se que as pessoas não mintam, que não sejam desonestas com seus seguidores. Não é isso que vimos nesse episódio."
Ainda de acordo com Vieira, o método é o mesmo adotado pela campanha de Jair Bolsonaro. "A aposta dele (Valadão) é no pânico, no medo e na mentira. Essa não é uma eleição comum. Não são dois candidatos democratas, discutindo propostas para o país e travando uma disputa saudável para governar o Brasil. Bolsonaro é uma expressão da violência, da desonestidade e agora assistimos um processo de autovitimização de seus seguidores, que insistem na mentira, mas que não aceitam sofrer retaliações."
Uma das retóricas da campanha de Bolsonaro é que Lula apoia ditadores e que levaria o Brasil, portanto, para o mesmo caminho. "Quando a esquerda fala em ameaça à democracia, a direita recorre ao argumento de que o Lula apoia ditaduras, o que não é verdade. Pedir que um candidato à presidência se manifeste contra um país vizinho, em um debate, é um absurdo. No Brasil, tradicionalmente, respeitamos a autodeterminação dos povos", explica Berringer, lembrando que Bolsonaro pediu que o petista explicasse sua relação com Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, durante o debate organizado pela TV Bandeirantes, no último domingo (16).
"A esquerda não recorre a esse argumento, para lembrar que Bolsonaro é amigo, por exemplo, o primeiro-ministro Viktor Orbán, e de ditadores do mundo árabe. O que incomoda, de verdade, não é a democracia, mas a política econômica. No fundo, é isso que incomoda a direita", complementa a cientista política.