No último domingo (2), o Brasil elegeu uma mulher transexual e uma travesti para o Congresso Nacional, Duda Salabert (PDT), de Minas Gerais, e Erika Hilton (PSOL), de São Paulo. Nos legislativos estaduais, Sergipe elegeu Linda Brasil (PSOL) e o Rio de Janeiro elegeu Dani Balbi (PCdoB), mulheres trans. Em São Paulo, Carolina Iara (PSOL), travesti vivendo com HIV, foi eleita a primeira codeputada estadual intersexo das Américas, pela Bancada Feminista. Em 2018, foram eleitas três representações estaduais, Robeyoncé Lima (PSOL), de Pernambuco, e Erika Hilton, em candidaturas coletivas, e Erica Malunguinho (PSOL), em São Paulo.
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), que organiza um levantamento em cada eleição, houve pelo menos 79 candidaturas trans pelo Brasil, sendo 70 (89%) travestis e mulheres trans, cinco (6%) homens trans e quatro (5%) pessoas com identidades não binárias. Os números representam um aumento de 49% em relação a 2018, que teve 53 candidaturas, com 52 mulheres trans e travestis e um homem trans. Pessoas negras (pretas e pardas) totalizaram 66% das candidaturas trans de 2022, 30% se autodeclaravam brancas e 4% indígenas.
Bruna Benevides, secretária de articulação política da ANTRA, destaca a mobilização coletiva de movimentos sociais e espaços de formação política como fortalecedores das figuras políticas LGBTQIA+. “A associação está ativa há 30 anos ininterruptos e já fez 24 congressos nacionais de onde são tiradas agendas consolidadas de luta, formação política e estratégias para o avanço de nossas pautas”, explica.
Outro grande avanço que possibilitou as candidaturas de pessoas não cisgênero foi a definição da autodeclaração de gênero como um direito humano e a despatologização das identidades trans pela OMS, mas a realidade brasileira ainda impõe diversos desafios não somente para as candidaturas como para a vida cotidiana das pessoas trans. “Não podemos ignorar que estamos no país que mais assassina pessoas trans do mundo, um dos que tem maiores índices de feminicídio e o que mais assassina jovens negros. Esse cenário aliado à transfobia se torna devastador para quem está na atuação política.”
“A inserção de pessoas trans na mídia, campanhas publicitárias, na academia e em pesquisas e produções acadêmicas, e a própria entrada na política motivada pelas que vieram antes como exemplos de luta com resultados favoráveis fizeram um enfrentamento mais efetivo na estrutura partidária, que ainda não prioriza nossa luta ou dá a devida atenção.”
Para Erika Hilton, que atualmente tem mandato na Câmara de Vereadores de São Paulo, os partidos vêm reconhecendo as candidaturas como necessárias para o processo democrático, dando visibilidade e recursos para que possam fazer campanhas com condições reais de serem eleitas. “A gente tem batalhado dentro dos partidos para que se reconheça a necessidade das eleições e a partir do momento em que conseguimos eleger candidaturas municipais e estaduais, começou a tirar o estereótipo negativo da cabeça das pessoas com relação às pessoas trans e travestis. Isso também é um processo de humanização de alguma forma, mas é claro que está muito distante ainda da humanização necessária.”
A violência política de gênero, qualquer tentativa de impedir mulheres de exercerem seus direitos políticos e suas funções públicas, é um dos maiores obstáculos para a eleição de candidaturas de mulheres, especialmente trans e travestis, e tem o intuito de afastar essa população da vida política. Como previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral, alterado pela lei de 2021, é crime assediar ou ameaçar, por qualquer meio, candidatas ou políticas em cargos eletivos, com menosprezo ou discriminação em relação a seu gênero, cor, raça ou etnia.
Em agosto, Duda Salabert, que também tem mandato como vereadora, em Belo Horizonte, divulgou uma mensagem que recebeu com teor transfóbico e ameaças de morte contra ela e sua família. Assinada com os números “14/88”, uma alusão ao símbolo nazista. Seu gabinete também recebeu cartas com ameaças e símbolos nazistas. O conteúdo foi escrito em páginas de jornais com matérias sobre a varíola dos macacos e associando a doença à comunidade LGBTQIA+. Duda precisou fazer toda sua campanha com carros blindados, colete à prova de balas e escolta. No domingo, votou usando colete à prova de balas.
Erika diz que somente se afastará de sua luta se perceber que, de fato, não tem mais condições de proteger sua vida. Em fevereiro, ela foi ameaçada de morte em um e-mail que dizia “Eu garanto que você vai morrer, satanás do inferno”, além de outras declarações transfóbicas. “Eu nunca pensei em desistir, pelo contrário, eu sempre percebi que essas violências eram exatamente uma tentativa de me paralisar, de me silenciar. Isso para mim foi como uma espécie de combustível, eu percebi que era preciso encontrar mecanismos de proteção, de controle da nossa saúde emocional e mental, mas que eu precisava continuar ocupando esse lugar. Eu sei o projeto político que eu construo, eu sei os passos que construíram a minha chegada até aqui, sejam os meus passos, sejam os passos das minhas ancestrais que lutaram para que eu chegasse aonde eu cheguei.”