O comissário de paz da Colômbia, Ivan Danilo Rueda, afirmou em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (28) que dez grupos armados irregulares começaram um cessar-fogo unilateral para aderir às negociações com o governo. Entre os grupos estão algumas dissidências das FARC-EP, entre elas o "Estado Maior Central", chefiado por Nestor Gregorio Vera; a Segunda Marquetalia, sob comando de Iván Marquez; o bloco sul-oriental, e a frente 33, que atua na região do rio Magdalena.
Entre os grupos paramilitares estão as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC), com presença no estado de Antioquia. Já na costa caribenha está o Clã do Golfo, a Serra Nevada de Santa Marta e o grupo Los Rastrojos, que atua na região fronteiriça com a Venezuela e teve indícios de contribuir com o opositor venezuelano, Juan Guaidó, em 2019.
"Cada grupo, com sua própria identidade, está disposto a aderir à paz total", disse o comissário Danilo Rueda.
Agora o governo disse que busca "caminhos jurídicos" para que os membros dos grupos armados sejam submetidos à justiça. A possibilidade de que os grupos armados irregulares recebam o mesmo tratamento de ex-guerrilheiros que assinaram Acordos de Paz com o Estado colombiano gerou polêmicas em nível nacional.
O governo Petro está buscando uma proposta à qual todos os grupos armados ilegais possam aderir, mas com duas perspectivas totalmente distintas, comenta o professor do departamento de Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos Medina Gallego.
"Uma perspectiva buscando um tipo de solução sociopolítica, com a justiça transicional com os grupos armados de conotação política, como o ELN, as dissidências das FARC-EP. Mas também está interessado em avançar no caminho de submeter à justiça os grupos ilegais que habitam os territórios e cometem violações aos direitos humanos. Esta proposta é de ordem sócio-jurídica e teria como componente fundamental a vontade destes grupos de se submeter à justiça e entregar as rotas de narcotráfico", disse o professor em entrevista ao Brasil de Fato.
Para alguns setores da sociedade colombiana, mesmo que abandonem as armas, paramilitares, narcotraficantes e dissidências armadas devem ser punidas e não devem participar de programas de reintegração social e receber proteção do Estado como os ex-combatentes.
De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), desde que Gustavo Petro e Francia Márquez assumiram a presidência, pelo menos 22 grupos armados publicaram comunicados demonstrando disposição em aderir à proposta de pacificação do país.
Nas primeiras reuniões entre representantes do atual governo e enviados especiais dos Estados Unidos, um dos pontos negociados era o fim das extradições de cidadãos colombianos, acusados de crimes de tráfico de drogas, e que estejam dispostos a cooperar com a justiça colombiana.
"O que se busca é que muitos daqueles que estão vinculadas à produção da droga sejam submetidos à justiça colombiana. E finalmente se busca superar o problema do tráfico de drogas em cima do que foi acordado com as FARC-EP em 2016, que tem dedicado todo um capítulo nos Acordos, realizado com base em estudos sérios, sobre a substituição de ilícitos", defende Medina Gallego.
A Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, com cerca de 171 mil hectares de cultivo, que abastecem aproximadamente 70% do mercado mundial, de acordo com relatórios das Nações Unidas. O ponto 4 dos Acordos de Paz previa uma série de políticas públicas para erradicar essas práticas ilegais.
Para o historiador colombiano, ainda que o problema do tráfico de drogas seja transnacional e deva ser resolvido entre países produtores e consumidores da droga, não há como avançar numa proposta de "paz total" sem fazer concessões.
"Esses grupos não vão se desmobilizar com a única oferta de que sejam incorporados à vida em sociedade e à justiça. Não irão abandonar os benefícios e o poder que obtiveram através do tráfico de drogas para ir à prisão. Haverá alguma porcentagem de impunidade", afirma Gallego, quem foi representante acadêmico nas mesas de diálogo de paz em Havana, no ano de 2016.
Negociações com o ELN
O comissário de paz do governo Petro também disse que estão discutindo os "últimos protocolos" com representantes da maior guerrilha em atividade no país para retomar as negociações.
"Estamos na parte de aplicação dos protocolos. Quando termine esta etapa, o presidente designará os integrantes que vão representar os interesses dos colombianos na mesa de diálogo", afirmou Rueda.
O comandante do Exército de Libertação Nacional (ELN), Antonio García, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, declarou que o ELN está disposto a alcançar um acordo de paz, mas que o processo deverá contar com a participação da sociedade.
"A paz não é a ausência de confronto armado, pois ela é produto da má gestão dos conflitos sociais e políticos de uma sociedade. Quando não existe uma abordagem por meio do diálogo nem uma solução para as necessidades do povo, ocorre inevitavelmente um levante armado", disse García.
Os diálogos entre o Executivo colombiano e o ELN haviam iniciado em 2017, em Havana, com participação de outros países como garantidores da paz, entre eles o Chile, Venezuela, Noruega e o próprio Brasil. As negociações foram interrompidas em 2018 pelo ex-presidente Iván Duque.
Em agosto deste ano, o governo colombiano iniciou mesas de diálogo regionais para implementar sua agenda de "paz total". O primeiro "posto de mando unificado pela vida" foi instalado no departamento de Cauca, região do Pacífico colombiano, com presença de autoridades dos três poderes do Estado.
A iniciativa deve ser levada prioritariamente para as zonas mais violentas do país. No sul-ocidente, em Yarí, província de Metá, e na região de San Juan, na província de Chocó. Já na fronteira com a Venezuela, o trabalhos irão se concentrar na região do Catatumbo, província de Norte de Santander.
Em 58 anos de conflito armado na Colômbia, estima-se mais de 260 mil vítimas em disputas pelo território travadas entre o exército, guerrilha, paramilitares e grupos narcotraficantes.
Somente neste ano, segundo levantamento do Indepaz, houve 79 chacinas, com 128 vítimas mortais na Colômbia, das quais 34 pessoas haviam assinado e entrado nos termos dos Acordos de Paz de Havana.