Além do desmatamento, as atividades de mineração devem ser vistas pelos impactos cumulativos nas florestas. Através de tese defendida na Universidade de São Paulo (USP), a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay defende um olhar sistêmico sobre os impactos da abertura de novas áreas ambientais protegidas. Ela participou da edição do Bem Viver desta sexta-feira (23).
O estudo defendido por Siqueira-Gay em 2021, propõe uma consideração de atividades como a construção de infraestrutura associada, como linhas de transmissão, estradas de acesso, estradas de ferro, além da atração de mão de obra e expansão núcleos urbanos.
"Abre-se uma mina e não temos uma ilha. Temos um desenvolvimento regional que deve ser considerado", contextualiza a pesquisadora ao ressaltar as ameaças à biodiversidade local na importância dos ecossistemas.
Intitulada como "Do uso intensivo às paisagens fragmentadas: perspectivas sobre impactos cumulativos da mineração nas florestas na Amazônia brasileira", a tese parte de uma consideração da crescente demanda por minerais no mundo, que resulta em impactos nas legislações do setor.
A regulamentação da atividade da mineração no interior de terras indígenas, por exemplo, está nas pretensões de "passagem da boiada" apoiada pelo governo federal e pela Frente Parlamentar da Agropecuária, ou a chamada bancada ruralista. Uma das materializações nesse sentido é o projeto de lei (PL 191/2020) que partiu do executivo federal. Em caráter de urgência desde março passado, a matéria passou a tramitar na Câmara dos Deputados apesar da pressão popular e denúncias dos possíveis impactos da mineração às populações indígenas.
Ao considerar as disputas legislativas e os resultados encontrados na pesquisa, Juliana defende um debate que ultrapassa as próprias áreas instalações dos empreendimentos.
"Então nós vemos um aumento da fragmentação. O desmatamento indireto causado pelas estradas e essas infraestruturas chegam a ser 40 vezes maior que o desmatamento das próprias minas", relata ao considerar os impactos regionais no desenvolvimento da mineração.
Enquanto método, a pesquisa utilizou informações e mapeamento no território da Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), entre os estados do Pará e Amapá, que possui 9 áreas protegidas, sendo duas delas indígenas. Além disso, foi utilizada uma série histórica de mapas para projetar o desmatamento futuro em 30 anos na região.
"No cenário de desenvolvimento completo da região, na abertura de todas as áreas, seriam mais de 7600 km² de florestas perdidas entre os impactos diretos e indiretos. O que a gente fala é de estradas e das minas, e de toda essa infraestrutura para a construção de 1450 km de novas estradas. Então estamos falando de um adensamento considerável na região para acessar os 240 depósitos minerais que tem ali", destaca entre 32 milhões de hectares do território.
"A única forma de não ter esse impacto seria evitar, minimizar esses impactos, e o papel das estradas e da proteção da paisagem, isto é, manter áreas estrategicamente protegidas é fundamental", defende, ao reconhecer ainda outros possíveis impactos que estão além da pesquisa, como a possibilidade de aumento de atividades ilegais de madeireiros e garimpeiros, que teriam mais acesso à região com a abertura de estradas.
"Esse enfraquecimento recente da política ambiental no Brasil é um verdadeiro retrocesso, vai ao contrário do que a gente mostra nesse estudo. Por exemplo, quando a gente comenta sobre os impactos - sejam os diretos e os indiretos - estamos tratando justamente da abrangência regional de novos projetos que deveriam ser considerado um processo de licenciamento ambiental. O que nós temos de proposta de mudança de regulação na nova lei de licenciamento, justamente vão enfraquecendo no processo de avaliação sistemática dos impactos de novos projetos", ressalta.